15/02/09

Capítulo 8 – A decisão

Terminada a leitura, Kailen e Albus, ergueram-se e caminharam pela igreja observando as ruínas, pensando em tudo o que acabavam de ler e em como, de certa forma, tinham ficado a conhecer melhor cada um dos três fundadores da Irmandade.
Albus, colocou-se sobre um joelho em frente ao altar e de cabeça baixa agradeceu pela graça de terem conseguido realizar as tarefas.
- Bem-haja por tudo Abba! Agradeço por todas as coisas se terem conjugado a nosso favor. Bem-haja!
Kailen, tinha escalado pelas paredes da igreja encontrando-se agora sentado no cimo da parede sobre a porta principal. Olhava fixamente o horizonte com um ar pensativo.
Ao terminar, Albus juntou-se a Kailen no cimo da parede, sentou-se, tirou a mochila das costas, onde guardara o texto do padre Abiel e pousou-a ao seu lado.
- E agora Kailen? – perguntou.
- Temos tudo, o livro, o compêndio do corpo e o texto da religião. Resta-nos refazer a Irmandade.
- Que pensas? Achas que devemos ir de porta em porta, mostrar os nossos achados e pedir às pessoas que se juntem a nós?
- Não me parece, ninguém nos levaria a sério. Para além disso as pessoas de hoje não têm os valores de Robur, da Betha ou do Abiel. Até os mais jovens, quantos pensam como nós em relação a estes assuntos? – questionou Kailen.
- Muito poucos. Isso é um facto! Se não é moda não é “cool”!
- Pois, o raio das modas parece que regem o mundo, é modas para tudo, será que já ninguém pensa por si?!
- E se usarmos a Internet? – sugeriu Albus.
- Olha, é uma óptima ideia. Como pensas fazer?
- Ainda não sei bem, mas talvez enviar às pessoas por e-mail um texto qualquer a convidá-las a fazer parte da Irmandade.
- Não é nada mal pensado, redigimos uma espécie de missiva, com os valores a Irmandade, enviamos às pessoas a perguntar se querem fazer parte enquanto ao mesmo tempo criamos um e-mail para onde poderão enviar as suas respostas.
- Pois! E deixamos qualquer um fazer parte da Irmandade?
- Qualquer um não, só aqueles que acreditem realmente e estejam dispostos a viver segundo os seus valores. – disse Kailen.
- E como saberemos, quais os que são bem intencionados e os que não?
- Isso agora é que não sei!
Ficaram por momentos e silêncio pensando na forma de poder diferenciar os bem intencionados e com vontade de pertencer realmente à Irmandade dos restantes. Depois de alguns minutos Albus teve uma ideia.
- Já sei! Nós não tivemos que resolver uma série de tarefas para chegar até aqui?
- Sim! Tivemos.
- Então, bastará criarmos um conjunto de tarefas, direccionadas para os valores da Irmandades que quem quiser pertencer terá de realizar!
- É uma óptima ideia. Mas que tarefas seriam essas? – questionou Kailen.
- Ainda não sei, penso que primeiro devemos voltar a analisar os textos dos três fundadores e só depois criar as tarefas.
- O texto do Abiel é um pouco complexo, não?
- Sim, mas nada que não consigamos entender. Penso que a ideia principal é a liberdade de escolha no que à religião diz respeito.
- Escolher um caminho e segui-lo. Ou então criar um caminho próprio através da análise das várias religiões ou correntes filosóficas.
- E as histórias de cada membro, foram uma surpresa agradável, não foram? – perguntou Albus a Kailen.
- Sim, não estava à espera, sempre pensei que se limitasse a redigir um texto sobre religião, nada mais.
- E o receptáculo, onde Abiel colocou o texto da religião?! É de prata!
- Essa foi mesmo à padre. Principiámos com o barro do pote do livro, madeira no compêndio do corpo e agora prata no texto da religião.
- Foi para terminar em beleza! Uma coisa é certa, todos estes achados são para guardar religiosamente. Farão parte do espólio da Irmandade.
- Bem, o melhor é regressar-mos à Quarta-Feira. Tenho de regressar à Miuzela ainda hoje. – disse Kailen demonstrando alguma inquietação.
- Nem me lembrava disso, com estas emoções todas esqueci-me por completo de que já estamos no término deste fim-de-semana repleto de aventura e boas surpresas.
- Sim mas a nossa verdadeira aventura começa agora!
- Sem dúvida Kailen, sem dúvida!
Dizendo estas palavras Albus colocou, novamente, a mochila às costas e desceu a parede da velha igreja saltando directamente para o exterior. Kailen fez o mesmo e ambos seguiram pelo antigo caminho que desde sempre circundara o exterior das muralhas e se unia ao velho caminho dos Poiares que os levaria à Quarta-Feira.
O percurso foi feito em silêncio, nada mais se ouvia que os pés a bater no chão e o canto de alguns pássaros.
Ao chegarem, Albus retirou da mochila o texto da religião e apressou-se a guardá-lo no baú junto ao livro e ao compêndio do corpo. Kailen arrumou as suas coisas e preparou-se para partir. Antes da partida houve ainda tempo para um lanche reforçado já que no meio da agitação se tinham esquecido completamente de almoçar.
Depois do lanche, a hora da despedida. Kailen meteu-se no carro e preparou-se para partir.
- Até qualquer dia Albus. – disse.
- Boa viajem amigo. Ver-te-ei em breve!

*

O Verão findou e as primeiras chuvas de Outono caíram como uma bênção sobre a terra árida e seca. As ribeiras voltaram a correr, campos e montanhas encheram-se de verde. Surgiram nas árvores de folha caduca os primeiros sinais de amarelecimento foliar e as paisagens multicolores tornaram-se belas, poéticas, místicas.
Esta, sempre fora a estação favorita de Albus, Ser de alma outonal com forte preponderância para os prazeres próprios da estação, comer castanhas, passear por entre árvores sentindo as folhas caídas estalando sob os pés, ou então, ler um bom livro à lareira ouvindo a chuva cair lá fora.
Mas este Outono seria diferente de todos os outros da sua vida. A Irmandade passou a fazer parte do seu dia a dia pela imposição de práticas diárias que, de certo modo, iam moldando a sua alma, tornando-a a pouco e pouco mais equilibrada e natural.
Albus fez cópias dos textos da Irmandade e enviou-os a Kailen para que ambos se instruíssem da maneira mais conveniente.
Durante os meses que se seguiram ao Verão do achado tanto Albus como Kailen não fizeram qualquer esforço para encontrar emprego. Numa decisão consciente, determinaram que este tempo serviria para se auto instruírem nos assuntos da Irmandade.
Estudaram textos e livros, adoptaram novos estilos de vida, mais salutares e naturais, em suma foram-se tornando pessoas mais saudáveis e em profunda comunhão com a natureza.
Albus aproveitou para pastorear as ovelhas de seu pai já que fazê-lo lhe recordava Robur e o facto de este ter sido pastor. Aproveitou as tardes solarengas para treinar o corpo físico, subindo às serras mais elevadas da região. Levava sempre consigo uma tesoura de poda e com ela podou inúmeros carvalhos jovens para que pudessem desenvolver-se rapidamente e escapar melhor a fogos. Apanhou bolota no Outono para plantar no início da Primavera numa tentativa de densificar a população de carvalhos das serras que circundavam a sua aldeia. Limpou diversas áreas arborizadas ajudando à sua preservação. Finalmente, no final de cada tarde contemplava o por do sol enquanto harmonizava os seus pensamentos e a sua alma.
Durante uma tarde de Inverno, em que o tempo não estava de modas redigiu aquela a que chamou a primeira missiva da Irmandade do Carvalho.

Da Irmandade do Carvalho

A todos os que amam a Natureza e estão determinados a viver a sua vida da forma menos agressiva possível para o planeta, àqueles a quem o credo religioso ou caminho espiritual não divide, para quem a raça ou cor não é importante e também para quem não vive de modas mas cuidando do seu corpo, não por vaidade, mas por respeito ao verdadeiro templo da alma e de Deus, a todos os que se identificam com o atrás escrito temos o gosto e dever de convidar para a Irmandade do Carvalho.
Para tal basta estar disposto a seguir os três princípios basilares da Irmandade:
1º - O respeito e o amor por todas as coisas que existem, em especial pela natureza que deve ser cuidada e preservada;
2º - A liberdade de escolha quanto ao caminho espiritual a seguir, que acima de tudo deve ser seguido com afinco;
3º - O corpo como templo da alma, que como tal tem de ser trabalhado e estimado.

Se te inquieta viveres numa sociedade em que o consumo, as modas, e a falta de inteligência são pilares fulcrais, envia um e-mail para
IrmandadedoCarvalho@gmail.com, e vem fazer parte da Irmandade. Para quê vivermos como árvores isoladas em planícies desertas, sejamos como um bosque em que cada árvore cresce ao seu ritmo e à sua maneira mas sentindo o conforto e a entreajuda de todos os que nele habitam. Estar juntos no mesmo propósito e deixar que cada um cresça à sua maneira, este é o caminho dos que desejam pertencer à Irmandade do Carvalho.


Depois, telefonou a Kailen e pediu-lhe que criasse o endereço de e-mail constante na 1ºmissiva.
Kailen por sua vez, fez um tipo de treino diferente. Ao contrário de Albus que sempre se identificara com o catolicismo, Kailen tinha uma preponderância para o Hinduismo. Assim, durante o seu treino, absorveu e aprofundou vários princípios e saberes das religiões ditas Orientais, treinou afincadamente a projecção astral melhorando os seus conhecimentos prévios. Seguindo o dito no Compêndio do Corpo passou a conhecer inúmeras plantas e a fazer, no final de cada tarde, uma antiga cerimónia do chá.
Treinou arduamente o seu corpo que a cada dia lhe transmitia sinais de bem-estar deixando Kailen cada vez mais satisfeito com a forma como passou a cuidar do seu templo.
Criou o endereço de e-mail de que Albus lhe falara e principiou a construção do website da Irmandade do Carvalho.

Chegara a Primavera, a temperatura aumentou, e a Natureza tornou-se ainda mais apetecível para Albus e Kailen, que por esta altura tinham já partilhado com os seus amigos mais próximos a história da Irmandade e a forma como tudo tinha acontecido. Alguns compartilhando do seu entusiasmo iniciaram também um aprendizado de acordo com os princípios da Irmandade.
Assim, tanto Albus como Kailen deixaram de estar sozinhos na sua demanda, congregando para a sua causa pessoas que de certa forma lhes eram chegadas e com quem se sentiam felizes por partilhar a vontade de construir uma Irmandade capaz de mudar o mundo tornando-o mais justo e equilibrado.
Passaram o resto da Primavera e o Verão divertindo-se com amigos a calcorrear as serras, a percorrer grandes distâncias a pé, a escalar escarpas rochosas ou enormes blocos graníticos, a saltar de pedra em pedra descendo serras inteiras a correr, ou então, sentados em bosques discutindo questões mais ou menos filosóficas, teológicas ou simplesmente o estado de ruptura da sociedade actual.
A vontade de divulgar foi-se tornando cada vez mais forte e dentro de Albus adensou-se um sentido de urgência.
Numa tarde em que aproveitara para verificar o desenvolvimento dos carvalhos que semeara na Primavera, passou pelo local onde Kailen achara o livro de Robur. Sentou-se por instantes numa rocha e sem dar por isso imaginou como seria óptimo se naquele momento, por todo o mundo, existissem pessoas a viver segundo os princípios da Irmandade, sem conflitos religiosos, partilhando ideias, conceitos e valores e respeitando ao mesmo tempo a opinião dos outros. Pensou nos milhares de pessoas que naquele instante se encontravam certamente em frente à televisão a ver programas ridículos, que transmitem na grande maioria das vezes, conceitos erróneos e ideias consumistas aos jovens e adultos moldando-os de acordo com uma sociedade fútil ao invés de ajudarem a formar pessoas de valores e convicções.
Como seria bom se em vez de ver televisão se encontrassem numa qualquer serra ou bosque a ler um bom livro ou então cuidando do seu templo pessoal.
Então, Albus teve uma certeza, era tempo de agir, de ir mais longe, de divulgar a Irmandade aos quatro ventos e se possível por todo o mundo!
Ao chegar a casa apressou-se a ligar a Kailen:
- Kailen! Sou eu o Albus, temos que nos encontrar, penso que chegou a hora, não quero esperar mais, estou pronto para transmitir a quem estiver disposto a ouvir os princípios da Irmandade. Amanhã posso ir ter contigo a tua casa?
- Claro Albus!
- Então, por volta das duas da tarde, estarei aí para de uma vez por todas divulgarmos a Irmandade do Carvalho!

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