15/02/09

Capítulo 4 – O Compêndio do Corpo

Passados quinze minutos avistaram a casa da bruxa, uma pequena habitação construída em granito e com o telhado parcialmente destruído.
Kailen foi o primeiro a aproximar-se da única porta que a casa possuía, analisando-a, verificou que esta se encontrava trancada e que por mais que empurrasse não a conseguiria abrir. Circundou a casa e constatou que esta tinha uma única janela situada nas traseiras.
- Vou tentar subir à janela para verificar se dá para entrar. – disse.
- Força!
Kailen afastou-se um pouco da casa para tomar balanço, depois avançou a correr e dando um salto o mais alto que podia colocou um pé na parede da casa impulsionando-se em direcção ao parapeito da janela, situado a mais ou menos três metros do chão, agarrando-se a este com as duas mãos. Depois, puxou-se para cima, sentou-se no peitoril e empurrou a janela que se abriu sem dificuldade.
- Olha, abriu! – exclamou.
- Boa, entra que eu subo já.
Kailen saltou para o interior da casa e Albus, pouco depois, juntou-se a ele.
A habitação era pequena, possuindo apenas duas divisões, uma com lareira que certamente era a cozinha e uma outra que teria sido o quarto apesar de se encontrar vazio e sem vestígios de decoração ou mobiliário. O telhado tinha ruído e pelo chão de madeira encontravam-se espalhadas telhas e cacos.
- Bem, não é o que tinha imaginado! – observou Albus.
- Pois, também pensei encontrar algo mais emocionante, isto está tudo caído, a madeira podre, em suma uma confusão!
- Mas o compêndio do corpo tem que estar aqui em algum lado.
-Não me parece, não existem vestígios de livros, ou vasos. – disse Kailen de gatas depois de ter dado uma vista de olhos na cozinha e encontrando-se agora dentro da lareira a inspeccionar o seu interior. – Aqui também não há nada!
- Aqui no quarto também não, verifica as paredes, talvez encontremos alguma reentrância onde o compêndio possa estar.
Durante quase vinte minutos, Kailen e Albus, procuraram sem sucesso o compêndio do corpo, sentando-se depois lado a lado na parte da soleira da porta que dava para o interior da habitação.
-Que desilusão! Sempre pensei que chegaria aqui, daria de caras com um baú ou algo assim contendo o compêndio do corpo lá dentro.
- Pois Albus, também imaginei isto de forma diferente!
- Não podemos desistir assim, tem de ser aqui, vou continuar a procurar.
- Vamos lá!
Os dois amigos ergueram-se e começaram de novo
a vasculhar a casa, deram voltas e mais voltas até que finalmente Kailen deu com uma pequena tábua no soalho da cozinha que possuía uma argola de ferro a fazer de puxador.
- Albus, olha aqui! Achei, tem de ser isto!
- Tens olho para estas coisas Kailen. Vá, abre isso para sabermos o que se encontra sob a tábua.
Kailen segurou a argola de ferro com as duas mãos e puxando fez ceder a tábua do soalho. A tábua escondia uma pia de pedra de forma rectangular, que no seu interior continha uma cana oca, suficientemente larga para conter algo dentro, tapada com uma rolha de cortiça. Albus pegou no recipiente de cana, retirou a rolha de cortiça e fez sair lá de dentro um rolo de pergaminho.
- É o compêndio do corpo pá! – exclamou Kailen.
- Pois é! Incrível…conseguimos Kailen!
- Desenrola-o, mas tem cuidado pois parece um pouco frágil.
Albus desatou os dois fios que mantinham o pergaminho enrolado, voltou a sentar-se na soleira da porta e começou a desenrolar à medida que iam lendo.


O compêndio do Corpo

Robur costuma dizer, “Ama a natureza como a ti mesmo”, pois eu digo, ama a Natureza pois ela ama-te.
A maior prova do seu amor, são as graças que nos concede, o alimento, os materiais para confeccionar o nosso vestuário ou construir as nossas casas e tantas, tantas outras coisas. O seu amor é verdadeiro e por isso não pede nada em troca, mas eu digo, oferece-lhe um pouco de quem és, contemplando-a, conhecendo-a, convivendo com ela, assim, poderás amá-la como ela te ama, aprender o que tem para te ensinar.
Para poderes plenamente vivenciar a Natureza necessitas que o teu corpo físico possa acompanhar o teu Eu espiritual, que sempre que a vontade de subir uma montanha surja em ti, possa o teu corpo físico satisfazer-te, levando-te até ao topo. Para tal, o corpo físico deve ser estimado e trabalhado, sou a guardiã do conceito “Corpo templo do Espírito”, assim defendo que diariamente devemos dedicar um pouco do nosso tempo ao templo do nosso espírito.
Como?
Pela prática de exercício físico e da meditação!
Usa o teu corpo com alegria, trabalha-o, aprende a respirar correctamente, uma respiração correcta evita inúmeras doenças, corre, faz flexões de braços e de pernas, salta, em suma mexe-te. Também nesta tarefa a Natureza nos dá a sua ajuda colocando no nosso caminho inúmeras formas de exercitar o corpo, que tal subir a uma árvore, ou a uma grande pedra, nadar uns metros num rio, percorrer distâncias a pé!
Apenas mais uma coisa, não te exercites em casa, o teu lar é local de repouso e meditação, onde te recolhes para assimilar o teu dia, quem sabe à lareira depois de um qualquer dia de Inverno pleno de treino e comunhão com a natureza, em que, explorando-a usando todo o teu ser, viveste plenamente.
Sendo templo do espírito e templo primário de Deus, a estima e amor pelo corpo deve ser maior que o demonstrado por qualquer templo de pedra por mais belo e vasto que seja. Não há templo mais bonito que o corpo, independentemente da sua forma ou cor.
Por vezes este magnífico templo é negligenciado acabando por adoecer. Para prevenir tais situações ou então remediá-las a Natureza providência uma série de ingredientes que aplicados de forma correcta ajudam a vencer as enfermidades.
Referirei agora a título de exemplo as plantas para chás por mim mais utilizadas, existem numerosos outros ingredientes, mas esses deixarei que seja o leitor a pesquisá-los, pois quem ama a Natureza interessa-se pelos seus caminhos.
Agulha-de-Pastor – fazer um chá com um molhinho de planta por litro de água para prevenir o cancro.
Alecrim – fazer um chá com um molhinho de planta e flores por litro de água para combater debilidades extremas, febres intermitentes, tosse, anemia, asma e bronquite.
Alface – fazer um chá com cinco ou seis folhas de alface para beber ao deitar como calmante, dando também um efeito hipnótico suave para os nervos. Este chá pode também ser usado para lavagem dos olhos no combate a inflamações.
Bolsa-de-Pastor – fazer um chá com um molhinho de planta para beber em jejum ou antes das refeições para combater diarreias, menstruações excessivas. Para estancar o sangue de feridas e golpes cozer a planta, fazer uma pasta com ela e aplicar.
Carqueja – fazer um chá com um molhinho de planta num litro de água para combater gripes, moléstias dos pulmões e dores de garganta.
Carvalho – torrar as bolotas, depois moer e fazer com elas um café que é bastante nutritivo e limpa o sistema digestivo.
Erva Cidreira – fazer um chá com um molhinho de planta para tratar do estômago, das dores de cabeça, flatulência, cólicas e constipações febris.
Giesta – fazer um chá com entre dez a vinte flores em botão para combater a tenção alta, eliminar as dores no corpo e aumentar o volume de urinas, este chá também diminui a frequência dos batimentos cardíacos. Nunca mas mesmo nunca aumentar as doses recomendadas.
Hipericão – fazer um chá com um molhinho de flores e folhas para tratar problemas respiratórios, falta de força, frigidez e impotência, traumatismos do sistema nervoso, para ajudar na digestão e a cicatrizar úlceras.
Hortelã – fazer um chá com um molhinho de planta florida para tratar dores de barriga, digestões demoradas e más disposições.
Malvas – fazer um chá com um molhinho de planta para tratar a prisão de ventre, as dores de barriga e combate de inflamações do aparelho digestivo. O chá é muito bom para a lavagem de feridas.
Mentastro – fazer um chá com um molhinho de
planta para abrir o apetite, combater o mau hálito, o nervosismo e dores nos nervos e tendões. No caso de urticária esfregar a planta directamente no local para alívio imediato.
Rosmaninho – fazer um chá com um molhinho de ramos floridos para tratar digestões demoradas, tosses e constipações.

(…)

Algo também deveras importante é a alimentação, esta deve ser variada e composta de alimentos saudáveis como os cereais, os legumes e a fruta, pessoalmente só me alimento destas coisas, mas o Robur e o Abiel consomem também alguma carne. Deve beber-se também pouco vinho e muita água.
A minha idade não a sei mas seguindo o atrás escrito consegui manter-me jovem, dinâmica, capaz! Assim espero continuar enquanto o meu corpo deixar.
A Irmandade do Carvalho foi algo belo, devo-lhe os melhores momentos da minha vida, o sonho de três amigos vivido plenamente, só faltou ser maior, uma Irmandade como esta deveria ser Universal. Por este motivo, peço a quem estiver a ler estas linhas, que por favor faça renascer a Irmandade, que estes textos sejam encontrados numa época em que sejam necessários, mas também numa altura em que comunicar com outras pessoas seja fácil, para que assim estes nossos valores, que não são apenas nossos mas universais possam ser vividos por todos aqueles que o quiserem e que, quem o faça, possa saber que há mais pessoas a proceder da mesma forma.
Se possuis o livro de Robur e o compêndio do corpo considera as duas primeiras tarefas completas, que tenhas vivido intensamente e sabiamente o teu caminho até aqui, que o teu corpo seja o teu templo, e que o teu amor pela Natureza se tenha já desenvolvido.
De qualquer maneira, terás ainda de ir às Fráguas, pois é lá que reside a chave da terceira tarefa, se por acaso a tua interpretação do verso da segunda tarefa erroneamente te levou lá, fica sabendo que terás de voltar novamente. Aproveita!

“Lá no cimo das Fráguas,
Onde o castro causa mágoas,
Num cemitério de pedras caídas,
Um largo de pedras antigas,
Só uma tem inscrição
No seu sopé faz um buraco no chão.”

Betha

Albus retirou o seu caderno de apontamentos da mochila e registou o verso que os levaria à terceira tarefa. Depois, cuidadosamente voltou a enrolar o pergaminho e guardou-o.
- Bem, ao menos, ficámos a saber como cuidar melhor de nós!
- Pois, mas muito do que a bruxa menciona já eu faço! Só o conceito de cuidar do corpo e olhar para ele como algo sagrado é que ainda me exigirá alguma habituação.
- Também a mim, mas penso que começo a entender melhor, o que a bruxa procura transmitir, um sentido de divino, a ideia de que o corpo e a natureza são de facto sagrados.
- Acho que vou passar a próxima semana a fazer chás, vou levar dias a procurar e a identificar todas as plantas mencionadas no compêndio!
- Eu vou investir num bom livro de identificação de plantas e suas propriedades.
- Eu não! Penso que consigo encontrar na Internet todas as plantas mencionadas pela bruxa, e até quem sabe mais algumas! Senão, pergunto às velhotas todas lá da aldeia. Olha lá e o que pensas deste enigma?
- Parece-me simples, é senso comum que existiu em tempos um castro pré-romano nas Fráguas, é também sabido que o seu povo adorava a Mãe natureza, penso também que o cemitério se refere ao estado do castro, que desde à muito se encontra arruinado, a inscrição só pode ser a da pedra que fica na clareira junto ao castro e que se pensa ter sido utilizada como local de adoração. Por isso acho que o mais difícil será cavar na terra dura em busca do que quer que seja que se encontra lá enterrado!
- Pois, sem pás nem nada, vai ser lindo vai!
- Tenho fome, que tal se almoçarmos já aqui?
- Parece-me bem, vamos ao almoço!
Kailen e Abus comeram sandes e beberam água. Depois, deixaram-se ficar um pouco, explorando novamente a casa e os seus arredores.
Quando a uma da tarde chegou, puseram-se a caminho das Fráguas.
- Albus, que tal se fizermos o percurso até ao sopé da serra num ritmo bem mais lento de que o normal? Assim, poderíamos apreciar verdadeiramente a paisagem.
- Temos tempo para isso. Experimenta enquanto caminhas e observas, respirar calma e pausadamente.
Uma hora se passou na qual, num ritmo bem mais lento, caminharam pelo intemporal caminho que os levaria às Fráguas. A velocidade lenta permitia-lhes reparar em coisas que de outra forma seria difícil, as técnicas de respiração levara-os a um estado de acalmia e bem estar interior, de tal modo que, até o vento a sacudir as folhas das árvores ou a erva do chão se lhes afiguravam como algo mágico e envolto numa aura sagrada.
Albus entendia agora exactamente o que Robur sentia e quisera transmitir, dava-lhe uma alegria enorme estar a percorrer este caminho, observar a vida à sua volta, sentindo-a chegar até si, cada olhar dava origem a um pensamento, cada lufada de vento no rosto a uma emoção. O vento quente soprou mais uma vez, mas de um modo brusco, Albus abriu os braços e sorriu olhando o céu, Kailen percebera o amigo, entendia como este se sentia pois também ele estava do mesmo modo, em paz vivendo o sagrado do agora.

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