15/02/09

Capítulo 3 – O Amor pela Natureza

Quando finalmente Albus terminou a análise ao livro de Robur passavam já das três da manhã. No seu caderno de apontamentos estavam claramente definidos os três princípios basilares da irmandade, em redor dos quais desenhou um rectângulo que os fazia sobressair do resto da folha.
As tarefas essa estavam tão imprecisas na cabeça de Albus como no seu caderno, apenas conseguiu definir claramente aquela que se lhe afigurava como a primeira, a qual Robur indicava, na parte final do livro, designando-a como “O Amor pela Natureza”. Albus transcrevera na íntegra o texto de Robur:

“ A Natureza não é de ninguém, perfeita em si mesma, mutável como todas as coisas, sabe cuidar de si como nenhum Homem sabe. O Homem, na sua arrogância, pensa que só por existir pode e deve controlar tudo à sua volta, ó ser inseguro! Como é que algo tão imperfeito pode querer controlar, mandar na perfeição? Não pode, não deve, o Homem nada pode ensinar à Natureza, deve apenas procurar aprender com ela observando-a com atenção e amor.
O amor é o sentimento mais importante de todos, quem não conhece o amor, as suas vertentes e manifestações, deve procurar conhecê-lo, senti-lo, adaptar a sua alma a ele. Só assim poderás cumprir a primeira tarefa, amando a Natureza, só amando verás o mundo pelos olhos do sábio, pelos olhos de Deus. Não me cabe a mim ensinar-te a amar, o amor não se aprende, sente-se!
Deus, Força Universal, ou qualquer outro nome que lhe desejes chamar, deu a cada Ser as ferramentas para a sua vida, aos animais, às plantas, e também aos Homens.
Entre as aptidões inatas do Homem está a capacidade de sentir, de se emocionar, pois é isso que espero que quem quer que leia estas palavras seja capaz de fazer, emocionar-se ao olhar em redor a partir do local onde este livro foi descoberto. Para tal, será necessário observares tudo o que te rodeia, sentires o local onde te encontras, que todos os teus sentidos estejam alerta, sente como o local toca a tua pele, ouve os sons que chegam até ti, cheira os odores que captas, abre bem os olhos, olha à tua volta, abre o teu coração, a tua mente, e agora:

Com lágrimas no olhar
Para norte te deves virar
Um mundo inteiro à tua porta
O que te convém nem na Retorta
Para a tua busca continuar
Ás Fráguas deves ir e voltar.”

Albus fechou o seu caderno de apontamentos, embrulhou cuidadosamente o livro de Robur no tecido negro e guardou-o num baú de madeira que mantinha no cimo do seu guarda-fatos. Ainda com o pensamento na primeira tarefa, deitou-se acabando por adormecer pouco tempo depois.

*

Na tarde do dia seguinte, Albus subia a serra pelo trilho de pedra que o levava ao Monte da Lua e ao local onde tinham encontrado o livro. Preparava já, durante a subida, a alma para a primeira tarefa, não queria nem podia falhar, sabia-o e a sua alma também, era como se neste momento da sua vida e da sua existência, este achado, este livro, esta tarefa fossem o que de mais importante existia, e assim, nada podia falhar. Tinha a certeza absoluta de que sabia como resolver a tarefa, aliás, a forma de sentir a natureza, descrita no livro não lhe era estranha, era assim que sentia o seu universo e nele os sentimentos também sempre foram a coisa mais importante de todas.
Chegara finalmente ao local onde Kailen descobrira o livro, observou tudo ao seu redor, respirou calma e profundamente por diversas vezes, procurou que todos os seus sentidos estivessem despertos, começou então a sentir-se, a sentir o calor na sua pele, podia ouvir pássaros que chilreando conseguiam que Albus se concentrasse ainda mais, sentia o cheiro do seu suor misturado com o perfume emanado das flores, estava alerta sabia-o pois quando meditava esta era uma das técnicas por si utilizada, o não pensar e ao invés sentir.
Foi então que finalmente se virou para norte, não com lágrimas no olhar mas com uma profunda alegria no coração. Lá ao longe podia ver o cabeço das Fráguas erguendo-se imponente, qual serrania de povos pré romanos e inscrições misteriosas gravadas nas pedras do cabeço. Mais perto podia observar a Retorta, um pequeno aglomerado de casas habitado desde sempre por apenas duas ou três almas. Só que, para Albus, não era a Retorta ou as Fráguas o que de mais importante observava, era sim a pequena casa situada um pouco antes da Retorta e que sempre lhe disseram ser casa abandonada por ter sido casa de bruxas. Na sua cabeça tudo fazia sentido, estava claro como água que seria aquela a casa que a bruxa, da Irmandade do Carvalho teria habitado, era certamente ali que a primeira tarefa o queria levar, seria naquele local que mais um pouco do mistério das outras duas tarefas seria revelado.
Pegou no telemóvel e ligou ao Kailen, que atendeu de respiração ofegante e voz esforçada:
- Estou, Albus! Então tudo bem?
- Sim. Que andas a fazer, pareces cansado!
- Treino físico. Estou a fazer o percurso de descida de uma serra que subi, e vinha aos saltos por aqui a baixo, de pedra em pedra.
- Engraçado, também estou no cimo da serra, no local onde encontraste o livro, ainda não tinha voltado a conversar contigo e por isso faço-o agora. Reli o livro com atenção e foquei-me nas três tarefas, a primeira começa com o achar do livro, penso que para Robur só alguém que amasse a natureza como ele deveria encontrar o livro, penso que por isso o colocou aqui neste cabeço para que só um pastor ou alguém que gostando de passear, de percorrer estas serras, de observar estas paisagens apreciando tudo o que nelas existe pudesse dar com ele. A outra parte da primeira tarefa penso que se refere a como achar o compêndio do corpo escrito pela bruxa, estou virado para norte como é indicado e posso observar as Fráguas e a Retorta, mas também uma velha casa de pedra um pouco antes da Retorta que diziam os anciãos ser casa de bruxas, assim penso estar associada à bruxa da irmandade. O que te parece?
- Tem lógica, pensas que o compêndio do corpo possa estar nessa casa?
- Penso, mas também acho que não bastará irmos à casa, é também necessário deslocarmo-nos às Fráguas, penso que terá a ver com as inscrições que existem por lá.
- Inscrições?
- Sim, as Fráguas são conhecidas por diversos blocos graníticos com inscrições, aparentemente frases, numa língua indecifrável, gravadas nas suas faces. Quem sabe essas inscrições não estão também, relacionadas com a Irmandade?
- Isso é especulação, nada te diz que é assim!
-Pois não, mas não encontro outra razão para a parte do verso em que é dito – “…para a tua busca continuar, às Fráguas deves ir e voltar. “ – porque razão teríamos de ir às Fráguas se o que nos convém nem na Retorta?
- Faz sentido, mas que relação existirá?
- Não sei por isso te digo, temos que ir o quanto antes à casa da bruxa e às Fráguas.
- E quando pensas deslocar-te lá?
- Não sei, mas espero que vás comigo, estamos nisto juntos, por isso peço-te que venhas à Quarta-Feira assim que te for possível.
- Pois mas não me parece que um dia seja suficiente, se realmente se estabelecer uma relação com as inscrições das Fráguas vamos precisar de tempo.
- Tens razão. Que tal se viesses passar uns dias comigo?
- Olha, seria óptimo!
- Então está combinado, quando podes vir?
- No próximo fim-de-semana? Pode ser? Vou na sexta à noite, para sábado fazermos a nossa busca.
- Então fica combinado, sexta cá te espero!

*

Sexta à tarde a impaciência de Albus era palpável, parecera-lhe que a semana nunca mais passava, leu e releu mais que uma vez o livro e as notas do seu caderno de apontamentos, tinha formulado dezenas de hipóteses na sua cabeça para tudo o que estava a acontecer. À medida que a impaciência aumentava o negativismo das suas ideias também, chegando mesmo a pensar que tudo aquilo podia ser uma brincadeira de mau gosto de alguém sem nada para fazer e que resolvera inventar o livro e as tarefas para se divertir à custa dos outros, fazendo-os percorrer longas distâncias em busca de meras fantasias.
É claro que quando Kailen chegou, o negativismo de Albus dissipou-se completamente. Kailen, pessoa bem mais optimista que Albus rapidamente se apressou a dizer que para ele o livro era real e as tarefas também, não cabia na cabeça de ninguém, inventar uma coisa destas e desse no que desse esta busca valeria sempre a pena, chegando mesmo a dizer a Albus:
- Para mim não interessa o destino, apenas me limito a apreciar a viagem até ele. A viagem é o mais importante e podes crer que estou pronto para esta. Albus rira com a afirmação do amigo, este sabia sempre como devolver-lhe o entusiasmo e mais uma vez conseguira.
Nessa noite deitaram-se cedo pois como afirmara Kailen – “ É para acordar com as galinhas!” – e claro que assim foi, às sete da manhã do dia seguinte encontravam-se já fora da aldeia e a caminho da casa da bruxa.
- Ainda bem que pudeste vir Kailen.
- Tinha de vir, jamais faltaria a uma aventura destas.
- Já reparaste que estamos a viver um dos nossos sonhos de infância?
- Sim já pensei nisso, quando encontrei o vaso, algo dentro de mim afirmava que este continha algo especial.
- E continha. O livro por si só já é um achado magnífico, mas as palavras nele contidas, as tarefas a realizar, essas são ainda mais importantes e interessantes.
- Sem dúvida, naquele dia fiquei com pena de ter que regressar à Miuzela, queria era reler o livro e começar logo com as tarefas.
- Cá estamos, a caminho de realizar a primeira!
- Sabes Albus, penso que esse tal Robur queria que quem realizasse as tarefas amasse muito a natureza, penso que é por essa razão que temos de ir as Fráguas, para podermos apreciar estas belas paisagens, conviver com animais e plantas, apreciar como tudo isto é libertador e belo.
- Concordo, mas não penso que seja só por essa razão, não me parece mera coincidência a referência específica às Fráguas, não te esqueças que sempre foram local de mistério pelas inscrições lá existentes.
- Sim realmente tem lógica, e a casa da bruxa, pensas que será fácil entrar nela?
- Não sei, já à muito não percorria estes caminhos e nunca parei para investigar essa casa, vista de longe parece uma casa velha como outra qualquer. Se bem me lembro o telhado está em mau estado mas tem porta.
- Se a porta estiver fechada talvez dê para entrar pelo telhado!
Albus sorriu com a afirmação do amigo.
Da Quarta-feira à Retorta não era mais que uma hora de caminho por entre serras graníticas povoadas de espécies como o carvalho, o pinheiro, o sobreiro e também giestas e fetos. Uma pequena Ribeira, nascida na serra da Retorta, cirandava ao longo de todo o percurso rodeada de freixos e salgueiros povoados de pássaros e desaguando depois na ribeira da Quarta-Feira.
Kailen e Albus adoravam tudo isto, era óptimo poder caminhar assim por caminhos de terra batida rodeados de beleza natural, cada passo era aproveitado ao máximo, uma calma e uma alegria enchiam as suas almas e os seus corações, era como se outro mundo para além do mundo existisse, um mundo belo, tranquilo, natural, equilibrado.
De repente Albus avistou uma raposa de rabo felpudo e avermelhado, Kailen apressou-se a gritar – Ei! Pchiit! Ó raposa, ei! – esta como que surpreendida parou por instantes e fixou os seu olhos nos dois amigos, um momento passou em que ninguém se mexeu ou falou, depois a raposa baixou ligeiramente a cabeça como que fazendo um aceno e seguiu o seu caminho. Albus e Kailen entre olharam-se surpreendidos.
- Viste! Viste! – disse Albus admirado.
- Sim, parece que nos acenou!
- Estranho, já no dia em que cheguei à Quarta-Feira vi uma raposa, não sei se é a mesma mas a outra também parou assim por momentos a observar-me.
- Sabias que na cultura Chinesa as raposas tinham a fama de possuir uma grande força vital, pelo facto de viverem em buracos e estarem, portanto, perto das forças geradoras da terra. Também lhe é atribuída uma grande longevidade e os chineses afirmam ainda que é o único animal que saúda o nascer do sol, pois dobra as patas de trás, alonga e junta as patas da frente e prostra-se.
- Interessante, tanto como o facto de num espaço tão curto de tempo observar duas raposas com um comportamento tão estranho, normalmente limitam-se a fugir e não a parar para ver quem as observa, ou quem sabe para ela própria observar quem as vê.
- Então e a casa ainda é longe?
- Não, fica a um quilómetro mais coisa menos coisa.
Albus foi tirando fotografias ao longo de todo o percurso, fotografar a natureza era sem dúvida um dos seus passatempos favoritos e como tal cada caminhada por si empreendida era pretexto para fotografar.
Kailen preferia admirar o percurso, por mais do que uma vez se deteve para observar o comportamento de algumas aves ou então para analisar alguma espécie de plantas que desconhecia.

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