15/02/09

Os princípios

1º - O respeito e o amor por todas as coisas que existem, em especial pela natureza que deve ser cuidada e preservada;
2º - A liberdade de escolha quanto ao caminho espiritual a seguir, que acima de tudo deve ser seguido com afinco;
3º - O corpo como templo da alma, que como tal tem de ser trabalhado e estimado.

Capítulo 9 – O renascer da Irmandade

À hora combinada, Kailen e Albus encontravam-se sentados lado a lado, em frente ao portátil de Kailen, na sua biblioteca repleta de livros.
Chegara o momento de agir, de divulgar, de espalhar aos quatro ventos todas as ideias, todas as vontades da Irmandade do Carvalho.
Quase um ano se passara desde aquele dia decisivo na Vila do Castelo em que tudo parecia perdido mas por sorte ou por uma conjugação favorável de factores tudo se resolvera da melhor forma. Naquelas ruínas quase milenares a última tarefa foi cumprida e a Irmandade ressurgiu ainda que de uma forma embrionária, confinada aos seus textos e à vontade de dois amigos.
Agora era tempo de divulgar abertamente a Irmandade e a Internet fora a maneira escolhida pelos dois amigos que sentados ao computador enviaram a mais de setecentos contactos, através do e-mail da Irmandade criado previamente por Kailen, a 1ªmissiva. Escolheram um servidor e alojaram nele a página web da Irmandade onde foram colocados os princípios da Irmandade, o nome dos fundadores, a biblioteca da Irmandade e também inúmeras fotos mostrando belas paisagens e o contacto dos membros com a natureza e consigo próprios.
- A semente está lançada, que o universo permita a sua germinação. – disse Albus ao terminarem.
- E que esta semente se desenvolva, ramifique e dê muitos frutos. – completou Kailen.
Desligaram o computador e foram para o exterior da casa de Kailen onde efectuaram um treino físico composto por exercícios e artes marciais. Depois Albus regressou à Quarta-Feira e esperou por notícias sobre o número de pessoas que diariamente consultavam o website ou então respondiam à 1ªmissiva.

As pessoas foram surgindo, primeiro uma, depois outra até que no final da terceira semana eram já mais de cinquenta os interessados no que a Irmandade tinha para dizer e transmitir.
Albus entretanto redigira a 2ºmissiva onde podia ler-se:

“Numa sociedade de interesses, toda ela direccionada para o capitalismo, a nossa Irmandade pretende congregar pessoas suficientes numa vontade comum a de alterar tudo isso.
Como?
Bastará que cada membro da Irmandade se molde de forma a atingir uma nova concepção de realidade, de maneira a entender o que realmente é importante para posteriormente o poder transmitir às gerações futuras que alterarão o rumo do planeta.
Demasiado ambicioso? Talvez! Mas a Irmandade do Carvalho pretende dar um passo de cada vez, de forma firme e pensada. O primeiro passo está agora a ser dado e gostaríamos que fizesses parte dele. Assim sendo, esta segunda missiva serve para te pedir que realizes seis tarefas simples, que te darão movimento e te ajudarão, se for caso disso, a experiênciar coisas novas, puras e mais próximas dos valores defendidos pela Irmandade.
Já paraste para reflectir no rumo actual da nossa sociedade?
Os nossos empregos ou a nossa instrução escolar tomam-nos todas as horas do nosso dia. E para quê? Para podermos produzir, produzir, ou então aprender a produzir. E para que serve toda esta produção? Ora numa sociedade assente no consumo a produção e compra de bens movem o mundo. É deprimente mas real, os ricos ficam mais ricos os pobres cada vez mais pobres. Num planeta de recursos limitados uma sociedade de produção desenfreada e igual consumo de bens tem pés de barro e não pode subsistir. O principal senão de ficar parado à espera, não fazendo nada para alterar o rumo das coisas é que esse obrigatório ponto de viragem chegará tarde de mais, numa altura em que nada poderá ser feito para remediar os estragos e salvar o planeta deste Ser Humano tão auto-destrutivo e inconsciente.
A Irmandade do Carvalho não seria necessária se as escolas de hoje educassem os Homens de amanhã, só que infelizmente não educam, limitam-se a transmitir-lhes conhecimentos científicos que os ajudarão a integrar-se nesta sociedade, já de si triste e vazia. É incrível como quer para a sociedade em geral, quer para as instituições da mesma, incluindo as religiosas, um grande Homem não é um ser integro, culto, em busca de si mesmo e da sua evolução pessoal, mas sim um médico, um deputado ou então alguém que possui muitos bens materiais, esses são os modelos a seguir, esses são os invejados.
Pretendemos alterar tudo isso, queremos ajudar a moldar pessoas, ajudá-las a auto-instruírem-se de forma a percepcionarem não apenas com a razão mas também com o coração.
As tarefas são seis:
1ª – Escolhe 2 livros de duas religiões ou correntes filosóficas, lê e interpreta de forma a poderes redigir um texto em que menciones os aspectos positivos, os negativos e as semelhanças entre as diferentes correntes ou religiões.

2ª-Escolhe na tua área de residência uma montanha que sintas ser capaz de subir a pé, escolhe um dia e sobe-a tentando, ao máximo, conviver e sentir a natureza envolvente. Ao chegares ao topo regista o momento com uma foto.

3ª- No Outono, muitas espécies de árvores libertam as suas sementes, por exemplo, a bolota. O que a Irmandade te pede, é que faças a recolha de 50 sementes de uma dessas árvores e ajudes a sua dispersão em locais fracamente arborizados, plantando-as e deixando que a natureza trate do resto. Como alternativa, podes plantar 5 árvores à tua escolha ou então realiza uma tarefa de igual sentido ecológico. Depois de realizada a tarefa deves mais uma vez registar a sua realização com uma foto.

4ª – Cada membro da Irmandade é livre de seguir o seu próprio caminho ao seu próprio ritmo, como tal, para a realização desta tarefa a Irmandade pede-te que escrevas um texto sobre a tua maneira de ver a sociedade e o mundo, do que está na tua óptica mal e que gostarias de poder alterar.

5ª – Esta tarefa é fácil e simples, deves enviar a 1ª missiva, a 10 pessoas, tuas conhecidas, e que penses poderem estar interessadas em fazer parte da Irmandade.

6ª – A sexta tarefa é uma tarefa livre, deves para a sua realização reflectir sobre os princípios da Irmandade e baseado neles realizar uma tarefa por ti idealizada. A liberdade de escolha e a iniciativa própria são muito importantes na Irmandade. Sê criativo. Deves tirar uma foto e escrever um texto com a descrição da tarefa.

O tempo para a realização das tarefas é de 6 meses, nesse tempo a Irmandade estará, caso queiras, em contacto contigo, basta que nos escrevas para obteres de imediato uma resposta.
Assim que realizares as tarefas, o que pode acontecer em qualquer altura dentro do prazo dado, reúne todas as fotos e textos pedidos e envia para a Irmandade.
Ao recebermos a confirmação da realização das tarefas ser-te-á enviada a folha de inscrição na Irmandade que constará no livro de membros da Irmandade do Carvalho.”

Combinou novo encontro com Kailen e juntos enviaram a 2ºmissiva a todos os que tinham respondido à primeira.
- Agora vamos aguardar! – disse Kailen.
- Seis meses são um longo período de espera, mas tem que ser assim, as pessoas necessitam de tempo para mudar, para se reajustar a uma nova realidade.
- Penso que quem decidir realizara s tarefas o fará em constante contacto connosco.
- Achas?
- Penso que sim, a partilha é muito importante Albus. De qualquer modo temos os nossos amigos que também se juntaram à Irmandade e com quem constantemente debatemos o estado das coisas.
- Por falar nisso, que tal marcarmos um encontro entre todos os membros da Irmandade? – sugeriu Albus.
- Óptima ideia, o Verão está a findar, vai fazer exactamente um ano desde o achado e nada seria melhor para assinalar essa data que um encontro entre membros.
- E se o encontro for no Monte da Lua?
- Olha, grande ideia! É um belo local e foi pela vontade de ir até lá que encontrámos o livro de Robur.
- E o encontro, marcamos para a data exacta do último achado?
- Sim, pois o simbolismo é maior.
- Vamos já tratar disso. – disse Albus enviando um e-mail a todos os membros da Irmandade e também aos que se tinham mostrado interessados nesta. – Pronto está feito, agora é aguardar.

*

O encontro fora marcado para as duas da tarde e apesar do Verão se encontrar no seu término estava muito calor.
Albus e Kailen subiram juntos até ao monte da lua pelo lado da Quarta-Feira. Faltavam ainda um par de horas para o início do encontro, aproveitando esse tempo, decidiram limpar o local, libertando-o dos ramos caídos e das giestas já secas.
- Que te parece, aparecerá alguém? – perguntou Kailen.
- Penso que sim, pelo menos os nossos amigos, aqueles que, agora, tanto como nós se encontram ligados à Irmandade. Esses devem vir.
- E todos os outros? Será possível que mesmo os que nunca tiveram qualquer contacto pessoal connosco e que apenas se corresponderam com a Irmandade por e-mail apareçam?
- Seria fantástico, receber pessoas dos quatro cantos, não do mundo, mas de Portugal.
- Por enquanto Albus, por enquanto.
- Como assim?
- Pois é, eu ainda não te tinha dito, mas fica sabendo que traduzi as missivas para inglês e já as enviei a algumas pessoas no estrangeiro.
- Então é oficial! A Irmandade tornou-se internacional!
Kailen riu com o comentário de Albus.
Faltavam dez para as duas quando terminaram a limpeza sentando-se depois na expectativa.


Capítulo 8 – A decisão

Terminada a leitura, Kailen e Albus, ergueram-se e caminharam pela igreja observando as ruínas, pensando em tudo o que acabavam de ler e em como, de certa forma, tinham ficado a conhecer melhor cada um dos três fundadores da Irmandade.
Albus, colocou-se sobre um joelho em frente ao altar e de cabeça baixa agradeceu pela graça de terem conseguido realizar as tarefas.
- Bem-haja por tudo Abba! Agradeço por todas as coisas se terem conjugado a nosso favor. Bem-haja!
Kailen, tinha escalado pelas paredes da igreja encontrando-se agora sentado no cimo da parede sobre a porta principal. Olhava fixamente o horizonte com um ar pensativo.
Ao terminar, Albus juntou-se a Kailen no cimo da parede, sentou-se, tirou a mochila das costas, onde guardara o texto do padre Abiel e pousou-a ao seu lado.
- E agora Kailen? – perguntou.
- Temos tudo, o livro, o compêndio do corpo e o texto da religião. Resta-nos refazer a Irmandade.
- Que pensas? Achas que devemos ir de porta em porta, mostrar os nossos achados e pedir às pessoas que se juntem a nós?
- Não me parece, ninguém nos levaria a sério. Para além disso as pessoas de hoje não têm os valores de Robur, da Betha ou do Abiel. Até os mais jovens, quantos pensam como nós em relação a estes assuntos? – questionou Kailen.
- Muito poucos. Isso é um facto! Se não é moda não é “cool”!
- Pois, o raio das modas parece que regem o mundo, é modas para tudo, será que já ninguém pensa por si?!
- E se usarmos a Internet? – sugeriu Albus.
- Olha, é uma óptima ideia. Como pensas fazer?
- Ainda não sei bem, mas talvez enviar às pessoas por e-mail um texto qualquer a convidá-las a fazer parte da Irmandade.
- Não é nada mal pensado, redigimos uma espécie de missiva, com os valores a Irmandade, enviamos às pessoas a perguntar se querem fazer parte enquanto ao mesmo tempo criamos um e-mail para onde poderão enviar as suas respostas.
- Pois! E deixamos qualquer um fazer parte da Irmandade?
- Qualquer um não, só aqueles que acreditem realmente e estejam dispostos a viver segundo os seus valores. – disse Kailen.
- E como saberemos, quais os que são bem intencionados e os que não?
- Isso agora é que não sei!
Ficaram por momentos e silêncio pensando na forma de poder diferenciar os bem intencionados e com vontade de pertencer realmente à Irmandade dos restantes. Depois de alguns minutos Albus teve uma ideia.
- Já sei! Nós não tivemos que resolver uma série de tarefas para chegar até aqui?
- Sim! Tivemos.
- Então, bastará criarmos um conjunto de tarefas, direccionadas para os valores da Irmandades que quem quiser pertencer terá de realizar!
- É uma óptima ideia. Mas que tarefas seriam essas? – questionou Kailen.
- Ainda não sei, penso que primeiro devemos voltar a analisar os textos dos três fundadores e só depois criar as tarefas.
- O texto do Abiel é um pouco complexo, não?
- Sim, mas nada que não consigamos entender. Penso que a ideia principal é a liberdade de escolha no que à religião diz respeito.
- Escolher um caminho e segui-lo. Ou então criar um caminho próprio através da análise das várias religiões ou correntes filosóficas.
- E as histórias de cada membro, foram uma surpresa agradável, não foram? – perguntou Albus a Kailen.
- Sim, não estava à espera, sempre pensei que se limitasse a redigir um texto sobre religião, nada mais.
- E o receptáculo, onde Abiel colocou o texto da religião?! É de prata!
- Essa foi mesmo à padre. Principiámos com o barro do pote do livro, madeira no compêndio do corpo e agora prata no texto da religião.
- Foi para terminar em beleza! Uma coisa é certa, todos estes achados são para guardar religiosamente. Farão parte do espólio da Irmandade.
- Bem, o melhor é regressar-mos à Quarta-Feira. Tenho de regressar à Miuzela ainda hoje. – disse Kailen demonstrando alguma inquietação.
- Nem me lembrava disso, com estas emoções todas esqueci-me por completo de que já estamos no término deste fim-de-semana repleto de aventura e boas surpresas.
- Sim mas a nossa verdadeira aventura começa agora!
- Sem dúvida Kailen, sem dúvida!
Dizendo estas palavras Albus colocou, novamente, a mochila às costas e desceu a parede da velha igreja saltando directamente para o exterior. Kailen fez o mesmo e ambos seguiram pelo antigo caminho que desde sempre circundara o exterior das muralhas e se unia ao velho caminho dos Poiares que os levaria à Quarta-Feira.
O percurso foi feito em silêncio, nada mais se ouvia que os pés a bater no chão e o canto de alguns pássaros.
Ao chegarem, Albus retirou da mochila o texto da religião e apressou-se a guardá-lo no baú junto ao livro e ao compêndio do corpo. Kailen arrumou as suas coisas e preparou-se para partir. Antes da partida houve ainda tempo para um lanche reforçado já que no meio da agitação se tinham esquecido completamente de almoçar.
Depois do lanche, a hora da despedida. Kailen meteu-se no carro e preparou-se para partir.
- Até qualquer dia Albus. – disse.
- Boa viajem amigo. Ver-te-ei em breve!

*

O Verão findou e as primeiras chuvas de Outono caíram como uma bênção sobre a terra árida e seca. As ribeiras voltaram a correr, campos e montanhas encheram-se de verde. Surgiram nas árvores de folha caduca os primeiros sinais de amarelecimento foliar e as paisagens multicolores tornaram-se belas, poéticas, místicas.
Esta, sempre fora a estação favorita de Albus, Ser de alma outonal com forte preponderância para os prazeres próprios da estação, comer castanhas, passear por entre árvores sentindo as folhas caídas estalando sob os pés, ou então, ler um bom livro à lareira ouvindo a chuva cair lá fora.
Mas este Outono seria diferente de todos os outros da sua vida. A Irmandade passou a fazer parte do seu dia a dia pela imposição de práticas diárias que, de certo modo, iam moldando a sua alma, tornando-a a pouco e pouco mais equilibrada e natural.
Albus fez cópias dos textos da Irmandade e enviou-os a Kailen para que ambos se instruíssem da maneira mais conveniente.
Durante os meses que se seguiram ao Verão do achado tanto Albus como Kailen não fizeram qualquer esforço para encontrar emprego. Numa decisão consciente, determinaram que este tempo serviria para se auto instruírem nos assuntos da Irmandade.
Estudaram textos e livros, adoptaram novos estilos de vida, mais salutares e naturais, em suma foram-se tornando pessoas mais saudáveis e em profunda comunhão com a natureza.
Albus aproveitou para pastorear as ovelhas de seu pai já que fazê-lo lhe recordava Robur e o facto de este ter sido pastor. Aproveitou as tardes solarengas para treinar o corpo físico, subindo às serras mais elevadas da região. Levava sempre consigo uma tesoura de poda e com ela podou inúmeros carvalhos jovens para que pudessem desenvolver-se rapidamente e escapar melhor a fogos. Apanhou bolota no Outono para plantar no início da Primavera numa tentativa de densificar a população de carvalhos das serras que circundavam a sua aldeia. Limpou diversas áreas arborizadas ajudando à sua preservação. Finalmente, no final de cada tarde contemplava o por do sol enquanto harmonizava os seus pensamentos e a sua alma.
Durante uma tarde de Inverno, em que o tempo não estava de modas redigiu aquela a que chamou a primeira missiva da Irmandade do Carvalho.

Da Irmandade do Carvalho

A todos os que amam a Natureza e estão determinados a viver a sua vida da forma menos agressiva possível para o planeta, àqueles a quem o credo religioso ou caminho espiritual não divide, para quem a raça ou cor não é importante e também para quem não vive de modas mas cuidando do seu corpo, não por vaidade, mas por respeito ao verdadeiro templo da alma e de Deus, a todos os que se identificam com o atrás escrito temos o gosto e dever de convidar para a Irmandade do Carvalho.
Para tal basta estar disposto a seguir os três princípios basilares da Irmandade:
1º - O respeito e o amor por todas as coisas que existem, em especial pela natureza que deve ser cuidada e preservada;
2º - A liberdade de escolha quanto ao caminho espiritual a seguir, que acima de tudo deve ser seguido com afinco;
3º - O corpo como templo da alma, que como tal tem de ser trabalhado e estimado.

Se te inquieta viveres numa sociedade em que o consumo, as modas, e a falta de inteligência são pilares fulcrais, envia um e-mail para
IrmandadedoCarvalho@gmail.com, e vem fazer parte da Irmandade. Para quê vivermos como árvores isoladas em planícies desertas, sejamos como um bosque em que cada árvore cresce ao seu ritmo e à sua maneira mas sentindo o conforto e a entreajuda de todos os que nele habitam. Estar juntos no mesmo propósito e deixar que cada um cresça à sua maneira, este é o caminho dos que desejam pertencer à Irmandade do Carvalho.


Depois, telefonou a Kailen e pediu-lhe que criasse o endereço de e-mail constante na 1ºmissiva.
Kailen por sua vez, fez um tipo de treino diferente. Ao contrário de Albus que sempre se identificara com o catolicismo, Kailen tinha uma preponderância para o Hinduismo. Assim, durante o seu treino, absorveu e aprofundou vários princípios e saberes das religiões ditas Orientais, treinou afincadamente a projecção astral melhorando os seus conhecimentos prévios. Seguindo o dito no Compêndio do Corpo passou a conhecer inúmeras plantas e a fazer, no final de cada tarde, uma antiga cerimónia do chá.
Treinou arduamente o seu corpo que a cada dia lhe transmitia sinais de bem-estar deixando Kailen cada vez mais satisfeito com a forma como passou a cuidar do seu templo.
Criou o endereço de e-mail de que Albus lhe falara e principiou a construção do website da Irmandade do Carvalho.

Chegara a Primavera, a temperatura aumentou, e a Natureza tornou-se ainda mais apetecível para Albus e Kailen, que por esta altura tinham já partilhado com os seus amigos mais próximos a história da Irmandade e a forma como tudo tinha acontecido. Alguns compartilhando do seu entusiasmo iniciaram também um aprendizado de acordo com os princípios da Irmandade.
Assim, tanto Albus como Kailen deixaram de estar sozinhos na sua demanda, congregando para a sua causa pessoas que de certa forma lhes eram chegadas e com quem se sentiam felizes por partilhar a vontade de construir uma Irmandade capaz de mudar o mundo tornando-o mais justo e equilibrado.
Passaram o resto da Primavera e o Verão divertindo-se com amigos a calcorrear as serras, a percorrer grandes distâncias a pé, a escalar escarpas rochosas ou enormes blocos graníticos, a saltar de pedra em pedra descendo serras inteiras a correr, ou então, sentados em bosques discutindo questões mais ou menos filosóficas, teológicas ou simplesmente o estado de ruptura da sociedade actual.
A vontade de divulgar foi-se tornando cada vez mais forte e dentro de Albus adensou-se um sentido de urgência.
Numa tarde em que aproveitara para verificar o desenvolvimento dos carvalhos que semeara na Primavera, passou pelo local onde Kailen achara o livro de Robur. Sentou-se por instantes numa rocha e sem dar por isso imaginou como seria óptimo se naquele momento, por todo o mundo, existissem pessoas a viver segundo os princípios da Irmandade, sem conflitos religiosos, partilhando ideias, conceitos e valores e respeitando ao mesmo tempo a opinião dos outros. Pensou nos milhares de pessoas que naquele instante se encontravam certamente em frente à televisão a ver programas ridículos, que transmitem na grande maioria das vezes, conceitos erróneos e ideias consumistas aos jovens e adultos moldando-os de acordo com uma sociedade fútil ao invés de ajudarem a formar pessoas de valores e convicções.
Como seria bom se em vez de ver televisão se encontrassem numa qualquer serra ou bosque a ler um bom livro ou então cuidando do seu templo pessoal.
Então, Albus teve uma certeza, era tempo de agir, de ir mais longe, de divulgar a Irmandade aos quatro ventos e se possível por todo o mundo!
Ao chegar a casa apressou-se a ligar a Kailen:
- Kailen! Sou eu o Albus, temos que nos encontrar, penso que chegou a hora, não quero esperar mais, estou pronto para transmitir a quem estiver disposto a ouvir os princípios da Irmandade. Amanhã posso ir ter contigo a tua casa?
- Claro Albus!
- Então, por volta das duas da tarde, estarei aí para de uma vez por todas divulgarmos a Irmandade do Carvalho!

Capítulo 7 – O compêndio do Espírito

O receptáculo, cilíndrico, de prata e decorado com motivos religiosos, continha várias folhas de pergaminho, escritas numa letra cuidada e regular. Na primeira folha, num título destacado, estava escrito “O Texto da Religião, segundo Abiel”.
Albus e Kailen, sentaram-se em frente ao altar e leram.

O Texto da Religião, segundo Abiel

É sabido que ao ser Humano lhe é atribuído inteligência e sabedoria. Pelo menos a suficiente para poder decidir o caminho que pretende percorrer. Porém, não será também verdade que o caminho de um Homem depende do meio que o rodeia e da história dos seus antepassados? E do seu próprio passado? Ou melhor, das suas vidas anteriores, do seu Karma?

Pois bem. Para além de ser o pároco da Vila do Castelo, sou também considerado historiador. E é baseado na História e na minha percepção espiritual que irei expor neste texto, aquilo que penso ser a base dos diversos caminhos espirituais. Espero fazer entender ao leitor que não importa o trajecto que se percorre, não importa em que se acredita. O que importa é viver e acreditar.

Foi em 1886 que iniciei a minha jornada. Destaquei-me como missionário católico para a Índia para espalhar a Fé Cristã e poder ajudar as outras pessoas. Foi nesta missão pacífica que se cultivaram boas amizades entre mim e os nativos. Eles estavam dispostos a receber a Boa Nova. Porém esta só era procurada para complementar um outro pensamento. Para eles Jesus Cristo era só mais um ser humano que conseguiu evoluir espiritualmente, tal como Nataputa Vardamana, Moisés, The Bal Shem Tov, Siddharta Gautama, Lau Tze, Francisco de Assis e muitos outros.
Devo dizer que a Índia é dividida, em termos de religião, principalmente entre o Budismo e o Hinduísmo. Estas são as religiões que tiveram origem verdadeiramente indiana. O Hinduísmo é das religiões mais antigas, tem 9 milénios de existência e acredita-se ter evoluído através de práticas shamânicas.
O Cristianismo aparece com muitas semelhanças em relação ao Budismo e ao Hinduísmo. Afinal todas elas tiveram um Mestre Supremo. Alguém que os Hindus e os Budistas referem como um ser Iluminado.
Pessoalmente sempre tive um interesse enorme por temas esotéricos, como a migração das almas e principalmente sobre entidades espirituais. Por causa disso decidi na vinda do Oriente, passar pelo Vaticano a fim de conseguir habilitações e capacidade para exercer os poderes do exorcismo. Assim, consegui, depois de algum estudo e prática, obter o poder do exorcismo através do então Papa Pio X.
O Exorcismo é uma antiga e peculiar forma de oração que a Igreja emprega contra o poder de demónios. Jesus partilhou o seu poder libertador com seus discípulos para que estes pudessem continuar a missão de libertação do Homem expulsando as entidades negativas. Também eu procurei obter esse poder.
Porém apenas sacerdotes autorizados podiam efectuar o ritual. O exorcismo, não se trata de uma oração pessoal e é necessário que o poder seja atribuído de forma simbólica através do Papa que é para a religião Católica o ministro directo de Jesus.
Para além do exorcismo, qualquer um poderá realizar outros rituais de libertação, também muito poderosos, como aprendera através dos shamâs tibetanos.
Uns anos depois da minha ida a Roma, quiseram nomear-me para um cargo mais nobre dentro do clero.
Queriam atribuir-me o grau de bispo mas recusei e consegui ser destacado como pároco para a Vila do Castelo, onde longe dos grandes centros urbanos e perto do mundo natural consegui viver em harmonia com a Natureza e continuar a minha evolução espiritual
, entendendo-me a mim mesmo e ao universo mas também ajudando os outros utilizando tudo o que aprendera nas minhas viagens.
Mais tarde conheci Robur e depois a bruxa Betha, com os quais acabei por formar a Irmandade do Carvalho.
Esta é a minha história.

A história de Robur é a de um auto-iniciado, na busca de respostas. Na busca do seu caminho espiritual.
A sua curiosidade surgiu por causa das histórias fantásticas que o seu avô lhe contava. A fantasia despertava no pequeno Robur, sentado a beira da lareira nas noites frias da serra. Era principalmente nessas ocasiões, que a sua mente se movia, divagando pelo mundo criado pelo contador de histórias.
O avô de Robur fora um dia navegador e fizera o transporte de mercadoria para o extremo Oriente. Foi nessas viagens, que conheceu culturas diferentes e indivíduos de personalidades únicas. Aprendera também algumas técnicas e práticas espirituais extremamente interessantes.
Uma das suas maiores aventuras foi quando conheceu pessoalmente sábios Taoístas entre eles o grande mestre de Hung Gar, Wong Fei Hung, do qual foi aluno.
Wong Fei Hung foi um lendário mestre de artes marciais que valorizava os valores culturais da China ao invés de se deixar influenciar fortemente pelas ideias capitalistas e materialistas do ocidente. Assim, com a ajuda dos seus alunos consegui manter a herança cultural e ajudou a manter vivas não só as artes marciais mas também as artes de medicina tradicional chinesa.
Foi com os sábios Taoístas que o avô de Robur, aprendeu o caminho para uma profunda
harmonia com a Natureza. Descobriu a sua profunda filosofia prática da qual surgiram inúmeros ditados populares da antiga China. Estudou o Tao Te Ching, do qual emergem sempre pensamentos enriquecedores, tanto a nível intelectual como espiritual.
O Taoísmo tem tanto de complexo como de simples. Nele procura-se o amor à Natureza e todas as suas interacções de causa-efeito para atingir a harmonia, mesmo as do mundo humano, afinal também estas pertencem ao grande plano que é a Natureza. Existe ocasionalmente o retiro na procura da harmonia, através do refúgio do meio social para viver como eremita e assim procurar a cura, a vitalidade, o bem-estar, a longevidade e a evolução espiritual.
O sábio Taoista não tem ambições, por isso ele nunca pode falhar. Aquele que nunca falha alcança sempre o seu objectivo. Pois conhece-se a si e às suas capacidades. Pois aquele que alcança os seus objectivos é um ser realizado e feliz em si mesmo.
Foram estes conceitos e saberes que passaram para Robur juntamente com as histórias do seu avô.
Mais tarde já um rapazinho veio trabalhar para o meu precedente aqui na Vila do Castelo.
Robur desde cedo manteve um diário onde registou partes da sua vida, não em forma de livro mas em folhas soltas. Algumas perderam-se para sempre, mas a maioria ficaram comigo guardadas num dos volumes mais importantes da minha biblioteca pessoal.
Ao escrever estas linhas faço-o com a pena de não ter Robur entre os vivos, falecera no mês passado, uns dias depois de colocar o livro na serra. Apenas me disse – “A minha parte está feita, Betha está a tratar da dela e peço-te meu amigo que cumpras a tua.” – assim faço, para que a sua vontade, que passou a ser a nossa se cumpra.
Coloco agora, junto com este texto algumas das notas de Robur, enfim, algumas das suas memórias.

“ Sim, era uma vida difícil e pobre, mas sem dúvida feliz!
Quando completei catorze anos, meu pai conseguiu que fosse trabalhar para o pároco da Vila do Castelo e com ele aprendi a ler e a escrever. Lia todos os livros que podia, afortunado fui pois a biblioteca do pároco era extensa!
Em poucos anos tinha lido todos os seus livros, que englobavam os mais diversos assuntos e tinha-me tornado bem mais capaz de analisar o mundo e viver nele.
Claro está, que eu e o pároco, não partilhámos as mesmas ideias e opiniões, e com o passar do tempo foi-se cavando um fosso entre nós. Não penso que oprimir o povo, incutindo-lhe receio de um Deus distante, seja o caminho, também não concordo com templos de pedra. A meu ver a religião é para ser vivida, sentida por cada um e assim sendo o templo está dentro de nós, o corpo físico é o templo, o templo da alma! Mas, o pároco achava estas ideias perigosas. Quando um dia me recusei a confessar, alegando que não achava necessário ser ele a pedir perdão pelos meus pecados a Deus, quando eu podia perfeitamente fazer isso sozinho, acusou-me de blasfemar e deu o meu lugar a outro.”

“Com o pouco dinheiro que consegui juntar, e influenciado pelas histórias que meu avô me contava, decidi partir numa viagem sem destino, em busca de mais conhecimento.
Percorria enormes distâncias, sempre que possível a pé, conhecendo as mais variadas pessoas e os mais maravilhosos locais.
Anos se passaram até por fim decidir voltar à casa de meus pais. Encontrei-os ainda vivos, mais velhos, mas felizes! Fiquei com eles até partirem, morrendo os dois na mesma noite durante o sono. Juntos, como se as suas almas estivessem destinadas a caminhar unidas não só na vida como também na morte.
Na minha busca de conhecimento tinha encontrado fortes indícios de que existe vida para além da morte, e de que cada um de nós vive várias vidas, assim, a sua morte não me trouxe tristeza, apenas a esperança de um reencontro.”

“A Irmandade do Carvalho está formada, somos apenas três, mas juntos conseguiremos, tenho a certeza disso. Os outros dois são o novo pároco da Vila do Castelo e uma bonita bruxa que vive numa casa isolada a caminho da Retorta.”

“É uma pena, estou velho, conheço-me e entendo coisas neste Universo que poucos entendem, sinto como poucos são capazes mas não consegui realizar o meu maior sonho. O sonho de uma Irmandade vasta morrerá comigo.”

“Num último gesto de esperança, redigi o livro da Irmandade, contando o meu sonho e idealizando tarefas a realizar por aqueles que espero um dia se cruzem com o meu livro. Que possam sentir uma vontade de continuar o que eu comecei, e fazer renascer uma Irmandade que espero não acabe com a nossa morte.
Betha e Abiel concordaram com a minha ideia, sei que também eles cumprirão a sua parte e colocaram os seus textos nos locais escolhidos.”

Espero, com todo o meu coração e caso ainda não fosse a vontade do leitor continuar o que nós começámos, que estes escritos de Robur tenham ajudado a decidir-se pela continuidade do nosso sonho.

Betha por outro lado, cresceu no seio da tradição cigana proveniente da região central da Espanha. Foi nómada durante muitos anos já que as viagens do seu clã eram muito frequentes, tendo passado assim a sua infância.
Um dia contei-lhe, para que soubesse, que os primeiros ciganos eram originários da Índia e que teriam começado a entrar na Europa por volta do século XII. Contei-lhe também que os primeiros indícios da presença do seu povo em Portugal datavam da segunda metade do século XV. Os ciganos fazem parte de uma etnia de cultura própria, rica e que por variadas razões se encontram dispersos por todo o mundo.
Como nómadas passam em suas andanças, por diferentes países, legando e enriquecendo a sua cultura.
O grupo Rom é o mais disperso, pois, devido a sua origem extra-Ibérica, é encontrado em todo o mundo, da Europa à Argentina. Os do grupo Calom, o grupo de Betha, encontram-se mais em Espanha particularmente na Andaluzia, mas existe também uma grande concentração de Caloms em Portugal, na África do Norte e no sul da França.
São os chamados ciganos Ibéricos, fazem de tudo um pouco e são caracterizados por serem óptimos ferreiros, caldeireiros, vendedores de jóias e tapetes. Alguns são ciganos circenses, outros praticam a adivinhação mágica e a sabedoria alquímica. Estas tradições, rituais mágicos e a fitoterapia caracterizam ainda hoje a Betha que através delas e utilizando ervas fabrica poções muito eficazes.
Betha assentou, depois de herdar umas moedas de ouro de um tio, comprou a casa onde reside e deixou-se ficar, convivendo com a natureza diariamente, tendo por companheiros animais e plantas. Sei que é procurada por diversas pessoas para lhes curar maleitas físicas, suas e as dos seus animais. A todos diz que sim, pois seu amor é incondicional.
Basta de conversa sobre as nossas vidas. O leitor tem a sua e espero que a saiba viver sabiamente.
Com estas histórias pretendi apenas demonstrar, que os caminhos são vários e que a escolha é feita pelo próprio. Mas tem de ser feita! Se necessário mais do que uma vez.
É necessário rezar, meditar, fortalecer a vontade e dominar a mente compreendendo-a. É necessário estudar, praticar e sentir. Analisar diversos estados de consciência e cartografar os próprios planos de existência, como já foi feito por outros à milénios atrás. Mas esta descoberta tem de ser pessoal, cheia de livre arbítrio, e livre de medo.
Quero ainda dizer que se tens uma religião e se através dela te sentes evoluir a cada dia que passa, então digo que deves segui-la. Peço-te é que entendas que não
é a única e que nem é obrigatório ter uma.
No início as pessoas encontravam-se dispersas pelo mundo, sem contacto, apenas convivendo com os mais próximos.
Desde cedo se impressionaram com os fenómenos naturais, que aos seus olhos pareciam autênticos milagres. Então, sentiram pela primeira vez a energia que se esconde por detrás de cada fenómeno natural, e observando, contemplando, aprenderam por exemplo, a arte do cultivo de plantas. Também observaram que por vezes o seu vizinho tinha mais sorte nas caçadas ou então melhores colheitas, entenderam que se colocassem um pouco de si, do seu amor nas coisas que faziam a sua interacção com a natureza tornava-se mais fácil e mais profícua.
Alguns ficavam horas observando a natureza, tentando ver as energias entender o que se encontra por detrás da cortina e mesmo sem entender por vezes achavam-se conectados a algo maior que eles, a uma energia que não entendiam mas que os fazia pensar e dizer coisas estranhas, que os fazia ter novas ideias novos pensamentos capazes de, quando colocados em prática, ajudar os outros. Sem saberem como viram-se mais capazes do que algum dia imaginaram e todos os restantes, que se tinham concentrado apenas no material, no visível, passaram a admirá-los ou a invejá-los.
O Homem é um ser complexo, capaz de agir e sentir. As emoções sentidas no contacto com a energia do universo, levaram-no a venerar essas energias que não entendia, para uns essa veneração era feita de caminhos que, esperavam, os levaria a entender essas energias. Para outros bastava apenas venerá-las curvando-se perante o desconhecido com medo de retaliações e na esperança de favores.
Ao Homem sempre foi difícil amar o que não vê, então, os diferentes povos foram criando diferentes representações das energias do universo que consideraram divinas. Para uns era a própria natureza, ou então a lua ou o sol que viam cruzar os céus diariamente, para outros os deuses tinham de ser como os Homens, semelhantes fisicamente mas todo-poderosos.
Assim, e durante milénios novas e diferentes maneiras de representar a mesma coisa foram surgindo.
Para uma mesma energia que, interagindo com a alma de cada um, pode ser positiva ou negativa, foram criadas diferentes representações, diferentes religiões.
Infelizmente para a humanidade a verdade foi-se escondendo, deixando os Homens perdidos entre concepções pessoais, regras ou leis que apenas servem para reprimir a alma e deixá-la amarrada a uma sociedade que prevejo cada vez mais negra.
Alguns Homens, como Buda ou Jesus Cristo foram surgindo, tentando modificar o rumo das sociedades em que viviam. Penosamente a alma humana é facilmente corrompida e assim são escondidos das pessoas os verdadeiros ensinamentos dos vários Homens notáveis, que atingiram uma evolução espiritual que o resto de nós nunca chegará a atingir já que a bem da suposta coesão social governos inteiros escondem a informação e o que é pior as próprias religiões, com agendas próprias também o fazem.
E assim, sou obrigado a ler diariamente na missa os mesmos textos, observando os fiéis de alma cada vez mais atrofiada, pensarem em Jesus como uma divindade e não como um grande Homem, um exemplo a seguir na tentativa de também eles atingirem o contacto directo com a energia divina, a capacidade de fazer o que ele fez, de amar como ele amou.
Por tudo isto peço a quem me lê que se tiver essa possibilidade divulgue os verdadeiros textos das mais diversas religiões, que transmita a mensagem de que deve ser cada um a lê-los e a entende-los com a sua própria alma, com o seu próprio ser.
Fazendo parte de uma comunidade religiosa ou não, cada um tem de pensar por si, entender por si, ajustar a si e à sua alma cada ensinamento, cada texto que lê.

Capítulo 6 – A Vila do Castelo

Às seis da manhã os dois amigos já se encontravam acordados e com a barriga a dar horas, um dia inteiro a sandes e água não fora propriamente a alimentação mais correcta. Sem grandes demoras puseram-se a caminho, desceram rapidamente as Fráguas e enveredaram, por um outro percurso de regresso, não tão belo mas mais curto. Não passariam nem pela Retorta ou sequer pela casa da bruxa Betha, mas certamente estaria em casa bem antes da hora de almoço.
Com efeito, duas horas depois encontravam-se já na serra da Soalheira que ladeia a Quarta-Feira a Noroeste e de onde aproveitaram para tirar umas fotografias ao vale, já que, as condições de iluminação eram, segundo Albus, excelentes. Depois desceram a serra calmamente e no mesmo passo lento fizeram o restante caminho até à casa de Albus.
- Bem Kailen, estamos de volta, um bom banho e vamos comer?
- Parece-me bem, estou mesmo a precisar.
Enquanto Kailen tomava banho, Albus aproveitou para fazer mais umas anotações no seu velho caderno, depois cuidadosamente, guardou o Compêndio do Corpo e os versos das Fráguas junto ao Livro de Robur no baú que se mantinha, como sempre, guardado no cimo do seu guarda-fatos.
Depois do banho, um revigorante pequeno-almoço que os deixou prontos para o próximo passo da aventura.
Ao bater das dez no relógio da aldeia, Albus e Kailen saíram da aldeia num passo calmo e contemplativo, subiram o Barreirinho e seguiram a estrada de alcatrão que os levaria até à Ladeira Duque. Podiam observar à sua esquerda as belas serras graníticas da aldeia, povoadas de afloramentos e blocos graníticos, carvalhos, salgueiros, fetos e giestas. A sua direita estendidas para oeste as pastagens e os campos de cultivo da população local, lá bem ao fundo a Serra da Estrela em toda a sua grandeza tocando o céu no horizonte.
A Ladeira Duque estava próxima e com ela a decisão do caminho a seguir, a estrada de alcatrão ou então o velho caminho de terra utilizado por todos desde os tempos mais antigos. Claro que a decisão recaiu sobre o velho caminho dos Poiares, não só por ser de terra e pouco movimentado mas também pela beleza dos bosques ao seu redor maioritariamente de carvalhos, pinheiros e castanheiros.
Kailen e Albus iam conversando sobre as expectativas de cada um em relação ao que iriam encontrar na Vila do Castelo. Na perspectiva de Kailen seria extremamente complicado inspeccionar o altar já que como aldeia histórica a igreja da Vila do Castelo estava sempre povoada de turistas. Albus não queria ser forçado a contar ao pároco o que se estava a passar, tinha a certeza de que este não partilharia do seu entusiasmo.
A Vila do Castelo estava à vista, o pior era subir até lá acima ao interior das muralhas onde se encontrava situada a parte antiga da vila. Ao bater do meio-dia os dois amigos entraram pelas portas da muralha que dão para a praça principal. Atravessaram a praça num passo apressado, enveredaram pela Rua do Pelourinho e em apenas alguns minutos estavam junto ao Pelourinho com o castelo à sua esquerda e a igreja à direita.
Albus fotografou mais uma vez o castelo como tantas vezes antes tinha feito, depois calmamente dirigiram-se à igreja.
No seu interior um grupo de turistas admirava as belas obras de arte antiga e criticavam a inadequada remodelação modernista que a igreja sofrera no último ano.
- É uma tristeza! – dizia um, ao passar pelo quadrilátero em madeira que fora colocado sobre a porta lateral. – Realmente, não se fazia. Vandalizar esta bela igreja com uma arquitectura antiga de arcos e ogivas com quadriláteros e triângulos modernistas!
- É que não se percebe! – dizia outro que desapontado se preparou para abandonar o local seguido pelos restantes.
Kailen e Albus que entraram precisamente pela porta lateral sentaram-se num dos bancos da frente e deixaram-se ficar a ouvir as queixas dos turistas enquanto fixamente observavam o altar.
Assim que os turistas saíram Albus tomou a iniciativa e erguendo-se do banco dirigiu-se ao altar. Subiu os degraus de pedra, esticou o braço e com os dedos tocou o altar. O frio do granito penetrou a sua pele, percorreu-o com a mão e baixando-se colocou-se de joelhos com a desilusão a instalar-se na sua alma.
Kailen ao observar a reacção do amigo, caminhou até ele procurando com os olhos indesejados turistas ou o pároco, subiu as escadas e colocando-se ao lado de Albus perguntou:
- Que se passa?
- Não há nada aqui!
- O que queres dizer? – perguntou Kailen surpreso.
- Quero dizer que não há nada neste altar, verifica por ti mesmo, é um bloco de granito nada mais! Não há falhas, saliências ou mostras de poder ter sido aqui escondida alguma coisa! – disse Albus, mostrando já algum desespero na voz. - Tinha imaginado muita coisa mas nunca isto!
- Albus, repara este altar é novo! – disse Kailen reparando na talha do granito.
- Como assim! – exclamou Albus, observando uma vez mais o altar – Sim tens razão a pedra é demasiado lisa, foi cortada por máquinas e não feito à mão, mas mesmo assim isso só quer dizer que de uma forma ou de outra a nossa aventura terminou.
- Sim, – disse um Kailen desapontado – mas ao menos podemos pensar que a nossa única falha foi termos chegado tarde demais e que o texto da religião sempre existiu, apenas não fomos nós a encontrá-lo.
- E de que nos serve isso? De nada! Temos o livro de Robur, o compêndio do corpo, mas falhámos na última tarefa, não encontrámos o texto da religião.
- Estás a ser demasiado negativo Albus, podemos não ter o manuscrito com o texto da religião, mas nada nos impede de concretizar o sonho da Irmandade, podemos perfeitamente reavivar a Irmandade do Carvalho, mesmo sem o texto.
- De certa forma sim, mas no tocante à religião já não vai ser o que a Irmandade desejava mas sim o que nós achamos que deve ser.
- E qual é o problema! Somos ambos bastante liberais em relação a isso, ambos estudámos as vertentes das várias religiões, não percebo porque não podemos ser nós a definir os critérios da Irmandade no que diz respeito ao caminho espiritual de cada membro. Além do mais, em minha opinião, deve ser cada pessoa que queira fazer parte da Irmandade a escolher o seu caminho, não nós, nunca nós!
- Tens razão Kailen, apenas queria que tivesse sido diferente, que tivéssemos chegado aqui e encontrado uma saliência ou um compartimento secreto com o texto lá dentro.
-Também eu Albus, também eu!
Mesmo assim, Albus e Kailen continuaram a inspeccionar o altar, feito de um granito de tom azulado e constituído por duas pedras maciças, uma mais estreita e de arestas cortadas servindo de base à pedra principal, maior e geometricamente bem talhada.
De repente surgiu da sacristia o padre, que vendo o que os dois amigos estavam a fazer se dirigiu a eles num passo apressado.
- Que pensam que estão a fazer, não podem mexer aí!
- Ó! Desculpe senhor padre – apresou-se Albus a dizer – apenas quisemos ver o altar mais de perto.
- Pois, pois, mas não podem, por isso se fazem o favor desçam as escadas e cinjam-se ao resto da igreja.
- Tenha calma, homem! – exclamou Kailen, enquanto
Albus lhe lançava um olhar suplicante para que não dissesse nada que pudesse por o padre em sobressalto o qual Kailen ignorou – pensa que a igreja é sua ou quê?! Que eu saiba é um local público e como não estávamos a fazer nada de mal deixe-nos em paz.
- O quê! – exclamou o padre estupefacto – Tenha tento na língua, veja lá para quem é que está a falar.
Kailen ia mais uma vez responder impulsivamente mas Albus antecipara-se.
- Desculpe o meu amigo senhor padre, nós vamos já embora, mas antes e se não fosse muito incómodo gostaria de lhe fazer uma pergunta.
- Então diga. – disse o padre aborrecido.
- Nós reparamos que este altar é novo, por acaso não nos sabe dizer o que foi feito ao antigo?
- Sim sei, o antigo altar é agora a mesa que está lá fora junto à porta pequena.
- Ai sim! – exclamou Albus com uma réstia de esperança a renascer dentro de si – Não me saberá dizer se foi encontrado algo no altar antigo, quando foi removido daqui?
- Encontrado o quê?! Não estou a perceber a sua pergunta!
- Ora o quê, – disse Kailen que tinha estado a fazer um esforço para ficar calado – um manuscrito ou assim!
Ao ouvir a declaração de Kailen o padre esboçou um sorriso de escárnio e sem mais começou a dirigir-se novamente para a sacristia.
- Por favor padre, responda-nos. – disse um Albus suplicante.
Por momentos pareceu que o padre continuaria a sua caminhada decidida para a sacristia, mas, detendo-se por breves instantes disse:
- O altar foi mudado vai para trinta anos, mais ao menos na altura em que fui destacado para esta paróquia. Vi o altar ser mudado, inspeccionei pessoalmente as obras e a minha resposta é não. Não foi encontrado qualquer manuscrito.
Sem mais o padre desapareceu pela porta que dava acesso à sacristia, Albus e Kailen dirigiram-se rapidamente para a saída, poderia ainda o manuscrito estar no antigo altar? Não teriam dado com o manuscrito ao mudar o altar de sítio? Seria possível que mesmo assim o manuscrito ainda estivesse ali ao alcance das suas mão?
Saíram da igreja pela porta pequena que tinha do seu lado esquerdo o antigo altar, começaram rapidamente a observá-lo na tentativa de achar o que não tinham achado no outro, procuraram por saliências, vestígios de que a pedra pudesse ser oca, buracos feitos na rocha, mas nada! Este altar era basicamente igual ao que se encontrava no interior da igreja, simples e sem quaisquer indícios de poder esconder o que quer que fosse no seu interior. Mais uma vez a desilusão instalou-se no coração dos dois amigos que desapontados abandonaram o local e se dirigiram para o castelo.
O castelo era antigo, tão antigo como a vila, construído num afloramento granítico, encontravam-se em perfeita simbiose, escadas de pedra facultavam o acesso á porta principal, no interior a antiga cisterna e a torre de menagem, tudo o resto, que teria sido de madeira, tinha já sido destruído pelas pessoas ou então pelo tempo.
A torre de menagem fora pensada de forma a ser de difícil acesso, assim, nos dias de hoje para se poder aceder a ela era necessário escalar um pouco através do maciço até à porta de entrada, uma vez lá dentro também já não existiam quaisquer escadas para se chegar ao seu cimo, apenas sulcos na parede onde antes as escadas de madeira se encontraram seguras, Albus e Kailen aproveitaram os sulcos para subirem até ao alto da torre de menagem e de lá, já sentados, puderam observar a vila e as serras ao redor.
Ambos se viraram para Nordeste, era nessa direcção que podiam ver a serra de São Cornélio onde esta aventura tinha começado.
- Nunca pensei terminar assim esta aventura. – disse Albus desolado.
- Nem eu! Estávamos a ir tão bem, encontramos o livro de Robur por um acaso do destino, depois o compêndio pela correcta e hábil utilização do livro e por fim a pista que nos trouxe até aqui. Penso que ninguém teria feito melhor que nós.
- Concordo, mas de certa forma é de entristecer terminar desta maneira algo que estava a desenrolar-se tão bem.
- Será que nos enganámos?
- Como assim? Enganar em quê?
- Na vila! Pode não ser esta, e se for a Vila do Cinco Quinas?
- Era bom que fosse. E por mais difícil que se tornasse encontrar a igreja certa entra tantas que lá existem, enquanto durasse a busca sempre haveria uma réstia de esperança nos nossos corações. Não Kailen, a Vila é esta, esta é a vila granítica do poema, nós é que chegámos com anos quem sabe décadas de atraso.
- É! Por mais que eu não queira a vila é esta. Seja! Não podemos fazer mais nada a não ser pensar na reactivação da Irmandade do Carvalho, difundir as ideias do livro e do compêndio e congregar membros.
- Sim, ao menos isso, podemos fazer.
Foi nesse instante, enquanto Kailen e Albus, discutiam os primeiros passos a dar na congregação de membros, que pequeno grupo de turistas entrou na torre de menagem queixando-se da escalada que acabavam de fazer.
- Já vai sendo tempo de colocarem aqui umas escadas! – queixou-se um.
- É que não dá jeito nenhum subir assim. - disse outro.
- Esta vila está cada vez pior, não chegava já os fracos acessos do castelo, ainda pioraram tudo com a restauração da igreja! – disse um outro.
- Qual restauração?! Aquilo foi uma remodelação criminosa, restaurar seria recuperar o que estava velho e em mau estado. O que fizeram foi inventar um novo interior para a igreja o que a torna desequilibrada e fora do contexto da vila! – disse o primeiro.
- Realmente, dá mais gozo ir visitar a antiga igreja românica, sem telhado, esquecida e abandonada no exterior das muralhas do que a igreja matriz depois da remodelação! – disse um dos outros dois.
Era isso! Albus e Kailen, que tinham parado de conversar assim que os turistas se acercaram da torre e se deixaram ficar lá do alto a observa-los, tinham acabado de entender tudo!
Como podiam ter sido tão esquecidos, existia mais uma igreja na Vila do Castelo, a velha igreja românica, por sinal a mais antiga das igrejas de toda a região circundante.
Tinham pura e simplesmente negligenciado esse facto, na ânsia de achar o texto da religião esqueceram-se do local mais lógico para este estar escondido, a velha igreja esquecida e abandonada, mas mística e cheia de simbolismo.
Desceram rapidamente do cimo da torre, saltando os últimos metros, passaram a correr pelos turistas e saíram do castelo em direcção à porta oeste da muralha, onde, cortando à esquerda enveredaram por um antigo caminho que os levou à igreja.
Ao chegarem entraram pela porta principal, em arco, o interior era todo em pedra, com algumas esculturas de anjos e motivos florais gravados no granito. Ao fundo o altar para onde se dirigiram a correr, Kailen parou na parte frontal e Albus rolou sobre a pedra horizontal para mais rápido chegar ao outro lado, onde se ajoelhou para inspeccionar a pedra.
Por entre motivos florais, lá estava disfarçado o rectângulo de granito que certamente esconderia o texto tão cobiçado.
Albus retirou a navalha da mochila e picou o barro branco que segurava o pequeno rectângulo de granito, Kailen observava-o impaciente. Por fim, o barro cedeu nas mãos de Albus que com cuidado removeu o rectângulo. Com os olhos a cintilar de felicidade observou o receptáculo que certamente continha o texto da religião.

Capítulo 5 – As Fráguas


Depois de mais duas ou três horas de caminhada chegaram finalmente ao sopé das Fráguas e a uma penosa subida de mais meia hora até ao seu topo. Desta feita Kailen e Albus subiram num ritmo bem mais apressado já que a proximidade da terceira tarefa e a curiosidade em saber do que se tratava falavam bem mais alto.
Finalmente o castro da povoação pré-romana. Apenas restavam uma ou duas fundações de casas e o vestígio do que teria sido uma rua, tudo o resto não passava de um grande amontoado de pedras. Ao fundo a clareira e nela a pedra gravada, sob o chão da qual se encontrava a pista da terceira tarefa.
- Sabes Albus, não me apetece nada rebentar os dedos a cavar essa terra seca e dura.
- Pois! Deixa ver….
Albus procurou com os olhos uma giesta seca, localizando-a dirigiu-se a ela e cortou um ramo do qual fez um utensílio para o ajudar a cavar, Kailen imitara-o e ajoelhando-se ao lado do amigo começou a cavar freneticamente em busca da pista. Vinte minutos se passaram até que por fim Kailen com a ponta do pau gasta de tanto cavar encontrou o procurado, uma caixa de metal ferrugenta contendo no seu interior um outro receptáculo feito com cana e tapado com cortiça. Albus pegou nele, abriu-o e retirou do seu interior um pergaminho meio roído pela humidade que dizia:

“Que belas são as Fráguas,
De fazer esquecer mágoas.
Quem olha para o chão,
Vê granito até mais não!

Mas neste mundo isolado,
Pelo granito tão bem delimitado,
Há vilas de castelos,
Tão místicos como belos.

E é num desses locais,
Religioso por demais,
Que se encontra o que procura,
Teu coração de alvura.

Pois puro e humilde deve ser,
Todo aquele que quiser ter,
Os textos que explicarão,
O porquê desta comunhão.

De pedra é o lugar sagrado,
Onde a cruz e o altar rasgado,
Te mostram o lugar
Onde deves procurar.

E já que procuras deves saber,
Que a religião ou o querer,
Advêm todas sem excepção
Do mais profundo de cada coração!”
Abiel


Releram o pergaminho durante um longo tempo tentando entender a que vila se referia Abiel, o padre. Seria à Vila do Cinco Quinas?! Ou a outra que não esta? E o local seria uma Igreja, seria um castelo?
Kailen ergueu-se e caminhou pelo que restava do antigo castro. Albus, guardou cuidadosamente o pergaminho junto do Compêndio do Corpo, fechou a mochila e fixou os olhos no céu onde as primeiras estrelas apareciam e deixou-se ficar, pensando nos versos que acabara de ler.
Era tarde, tarde de mais para regressar a casa pois em breve seria noite, sentou-se encostado à pedra gravada, olhou ao seu redor e imaginou como os antigos povos se serviriam da clareira, que cerimónias antigas e misteriosas, que orações ou preces e, quem sabe, que feitiços e conjurações teriam sido ali praticados.
Kailen, com passos largos e apressados regressava à clareira, já próximo dirigiu-se ao amigo:
- Já é tarde Albus, se queremos regressar temos que nos apressar.
- É tarde demais para voltar, demoraríamos horas e não tarda, anoitece.
- Que sugeres? Pensas telefonar a alguém para nos vir buscar?
- Não. Que tal se nos ficássemos por aqui? Dormindo sob a abobada celeste e tendo o chão como cama.
- Muito bonito, mas o chão é desconfortável e à noite arrefece!
- Por vezes também o amor trás algum desconforto, mas penso que uma noite ao relento nos trará mais coisas boas que ruins. Mas, se quiseres telefono ao meu irmão e ele vem buscar-nos.
- ! Penso que a bruxa Betha também terá dormido inúmeras vezes assim, do Robur nem vale a pena falar, como era pastor deve ter dormido com o seu rebanho, centenas de vezes ao relento. Como novos percursores da Irmandade temos o dever de fazer o mesmo e de aproveitar todas as bênçãos que a noite nos trouxer.
- Vamos então arranjar onde dormir e depois, como ainda sobram umas sandes do almoço, jantamos.
Escolheram a clareira para dormir, o local não era o mais abrigado, mas em contrapartida era no entendimento dos dois o mais místico. Cortaram giestas e dispuseram-nas no chão na forma de um colchão improvisado onde finalmente se sentaram para jantar. Entre sandes de pão ressequido e com água por bebida a noite foi caindo nas Fráguas.
Acabaram de jantar, arrumaram tudo, colocaram o lixo num saco que ataram à mochila e deitaram-se para observar o céu repleto de estrelas.
- Albus, é melhor telefonares para casa a avisar que hoje dormes fora. Eu não tenho problemas já que os meus pais pensam que estou em tua casa mas os teus são capaz de ficar preocupados.
- Tens razão! – e pegando no telemóvel Albus telefonou para o irmão, a informá-lo de que dormiria fora e pedindo-lhe que avisasse em casa.
- O céu está magnífico não achas Kailen?
- Sim. Sabes, ainda bem que é lua cheia, assim ainda se vê alguma coisa. Já imaginaste se fosse lua nova, não conseguiríamos ver nem a ponta do nariz!
- Tivemos muita sorte, a vista daqui é realmente bela, este céu estrelado, as luzes das povoações cintilando ao longe, silhuetas de bosques silenciosos.
É incrível que quando se está em casa, fechado entre quatro paredes, assistindo a programas de televisão maioritariamente sem qualquer interesse, nem imaginamos como é belo estar assim, ao relento tendo a noite como cobertor e a lua e as estrelas por companheiras.
Tenho pena Kailen, por mim que raramente saio assim ao encontro da noite e por todos aqueles que não sabem como é gratificante estar na noite, sentindo a natureza, sentindo-nos a nós mesmos.
- Realmente, se estivesse em casa e tivesse pensado em sair daquele conforto para vir dormir para aqui, penso que a ideia me teria provocado até um arrepio, mas estando onde estou, deitado nestas giestas olhando o céu com todo o desconforto físico que isso possa acarretar, mesmo assim, sinto-me feliz, em paz e com uma alma enorme. Este fugir da civilização é também a meu ver uma aproximação a Deus e a tudo o que é mais puro em nós.
- Concordo plenamente. Quem sabe se o Robur a Betha e o Abiel não passaram juntos noites como esta, deliberadamente saindo de um mundo para entrar num outro mais calmo, natural e belo.
- Por falar no Abiel, onde te parece que se encontram escondidos os textos dele?
- O texto da religião? Não sei, mas a vila mais óbvia seria a Vila do Cinco Quinas já que é a única vila do concelho. Mas, se quisermos ser precisos na altura em que estes textos foram escritos existia uma outra vila.
- Pois é! A vila do Castelo, que só perdeu o título de vila à coisa de um século ou assim.
- Exactamente, mas existe também um outro ponto que me leva a inclinar-me para a Vila do Castelo, a referência nas primeiras quadras ao granito, das duas vilas só esta é granítica.
- Muito bem pensado! Então o texto da religião estará escondido na igreja da Vila do Castelo, perto do altar ou quem sabe até dentro dele. A referência à cruz e ao altar rasgado não deixam dúvidas!
- Não poderia estar mais de acordo. Amanhã iremos à Vila do Castelo averiguar.
- Pois mas temos um problema que me parece intransponível.
- Que problema Kailen?
- Não me parece que nos deixem entrar pela igreja a dentro, ir direitos ao altar de maça de partir pedra em punho para ver se tem alguma coisa dentro!
- Hi! Hi! Hi! Tinha a sua piada essa, era ver o pároco a gritar blasfémia e a correr em direcção à sacristia para telefonar à GNR para nos levarem para o posto!
Visualizando a cena Kailen e Albus riram até lhes doer a barriga e as costas.
- Ai! Estamos para aqui a rir Albus, mas o que é certo é que a nossa aventura pode ter chegado ao fim.
- Pois é, a não ser que falemos com o padre.
- É…! Ó senhor padre deixa-nos partir o altar para ver o que está lá dentro?
O comentário de Kailen fez novamente os dois rirem até lhes virem as lágrimas aos olhos.
- Isto está mau, não estou a ver forma de contornar a situação!
- Também não, pode ser que o altar contenha uma abertura ou assim, ou que o texto não esteja no altar e sim no chão perto dele!
- Pois, pode ser que sim! Amanhã veremos.
Kailen e Albus tinham hábitos distintos ao deitar, Kailen aproveitava para antes de adormecer exercitar algumas técnicas de meditação ou então de projecção astral. Albus preferia rezar. Uma prece que sua mãe lhe ensinara em criança continuava a marcar o início da sua oração:
“Nesta cama me deitei, para dormir descansado, se a morte vier e não me deixar falar, arrumo-me ao cravo, do cravo abraço-me à cruz, entrego a minha alma ao santo nome de Jesus, Jesus me valha valha-me Jesus, valha-me a cruz do céu que ela não caia sobre nós, Jesus Cristo morreu nela, que ele nos valha e clame por nós.”
Depois costumava rezar o Pai Nosso numa versão por si modificada em que retirara o “que estais no céu” já que a seu ver Deus está em toda a parte e não apenas no céu, e modificara também o “livrai-nos do mal” para ajudai-nos a enfrentar o mal pois no seu entender só enfrentando as situações podemos ultrapassá-las e se pedimos para nos livrar das situações malignas nunca as ultrapassaremos nem evoluiremos.
A Avé Maria sempre fora uma das suas orações de eleição à Deusa ou princípio feminino Universal ou outro nome que se queira dar-lhe, como tal rezava-a por três vezes, terminando e começando com, “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”. Para si o feminino do Universo tinha a forma de um arquétipo de mulher, com o nome de Maria, o masculino esse de certa forma era um pouco mais indefinido, pois, por mais estranho que possa parecer as imagens que o seu cérebro criava quando pensava numa representação física para Deus eram figuras do Deus Cornífero da Wicca. Certamente estas representações derivavam da educação que dera a si mesmo no respeitante à religião.
Como a leitura sempre fora um hábito através dela e da prática do que lia, tinha, na sua óptica, atingido um equilíbrio no tocante à forma de viver e sentir o divino. Esta auto-instrução ao longo de anos fizera-o concluir que no Universo existem dois princípios criadores, um feminino e um masculino, que se completam mutuamente, são energias, mutáveis quando necessário e com possibilidades infinitas, geradoras ou destruidoras de mais energia, matéria ou vida. Como energias que são podem assumir qualquer forma e sendo assim para si, assumiriam sempre a forma que a sua alma mais necessitasse, não era importante se era a de uma mulher ou a de um Deus com chifres ou então vestido de branco com cabelo e barba grisalhos, o importante era sentir o contacto com o divino, entregar-se a essas energias durante a oração para que estas pudessem cuidar da sua alma.
Quando Albus terminou de rezar, Kailen encontrava-se ao que parecia a dormir, Albus não o perturbou pois conhecia o amigo e sabia que podia naquele instante estar a meio de uma projecção astral, com a alma por momentos fora do seu corpo físico. Kailen costumava dizer que ao terminar uma projecção se sentia
sempre mais leve, ao que Albus respondia dizendo que ao rezar ou contemplar também terminava por se sentir assim.
Albus adormeceu embalado pelos sons da noite, grilos, uma coruja e até o coaxar de rãs tornavam a noite menos silenciosa do que ao princípio imaginara. Em sua oração tinha pedido que a noite fosse tranquila e que uma protecção divina os resguardasse dos seus perigos. Ao adormecer -lo na certeza de que nada de mal lhes aconteceria.

Capítulo 4 – O Compêndio do Corpo

Passados quinze minutos avistaram a casa da bruxa, uma pequena habitação construída em granito e com o telhado parcialmente destruído.
Kailen foi o primeiro a aproximar-se da única porta que a casa possuía, analisando-a, verificou que esta se encontrava trancada e que por mais que empurrasse não a conseguiria abrir. Circundou a casa e constatou que esta tinha uma única janela situada nas traseiras.
- Vou tentar subir à janela para verificar se dá para entrar. – disse.
- Força!
Kailen afastou-se um pouco da casa para tomar balanço, depois avançou a correr e dando um salto o mais alto que podia colocou um pé na parede da casa impulsionando-se em direcção ao parapeito da janela, situado a mais ou menos três metros do chão, agarrando-se a este com as duas mãos. Depois, puxou-se para cima, sentou-se no peitoril e empurrou a janela que se abriu sem dificuldade.
- Olha, abriu! – exclamou.
- Boa, entra que eu subo já.
Kailen saltou para o interior da casa e Albus, pouco depois, juntou-se a ele.
A habitação era pequena, possuindo apenas duas divisões, uma com lareira que certamente era a cozinha e uma outra que teria sido o quarto apesar de se encontrar vazio e sem vestígios de decoração ou mobiliário. O telhado tinha ruído e pelo chão de madeira encontravam-se espalhadas telhas e cacos.
- Bem, não é o que tinha imaginado! – observou Albus.
- Pois, também pensei encontrar algo mais emocionante, isto está tudo caído, a madeira podre, em suma uma confusão!
- Mas o compêndio do corpo tem que estar aqui em algum lado.
-Não me parece, não existem vestígios de livros, ou vasos. – disse Kailen de gatas depois de ter dado uma vista de olhos na cozinha e encontrando-se agora dentro da lareira a inspeccionar o seu interior. – Aqui também não há nada!
- Aqui no quarto também não, verifica as paredes, talvez encontremos alguma reentrância onde o compêndio possa estar.
Durante quase vinte minutos, Kailen e Albus, procuraram sem sucesso o compêndio do corpo, sentando-se depois lado a lado na parte da soleira da porta que dava para o interior da habitação.
-Que desilusão! Sempre pensei que chegaria aqui, daria de caras com um baú ou algo assim contendo o compêndio do corpo lá dentro.
- Pois Albus, também imaginei isto de forma diferente!
- Não podemos desistir assim, tem de ser aqui, vou continuar a procurar.
- Vamos lá!
Os dois amigos ergueram-se e começaram de novo
a vasculhar a casa, deram voltas e mais voltas até que finalmente Kailen deu com uma pequena tábua no soalho da cozinha que possuía uma argola de ferro a fazer de puxador.
- Albus, olha aqui! Achei, tem de ser isto!
- Tens olho para estas coisas Kailen. Vá, abre isso para sabermos o que se encontra sob a tábua.
Kailen segurou a argola de ferro com as duas mãos e puxando fez ceder a tábua do soalho. A tábua escondia uma pia de pedra de forma rectangular, que no seu interior continha uma cana oca, suficientemente larga para conter algo dentro, tapada com uma rolha de cortiça. Albus pegou no recipiente de cana, retirou a rolha de cortiça e fez sair lá de dentro um rolo de pergaminho.
- É o compêndio do corpo pá! – exclamou Kailen.
- Pois é! Incrível…conseguimos Kailen!
- Desenrola-o, mas tem cuidado pois parece um pouco frágil.
Albus desatou os dois fios que mantinham o pergaminho enrolado, voltou a sentar-se na soleira da porta e começou a desenrolar à medida que iam lendo.


O compêndio do Corpo

Robur costuma dizer, “Ama a natureza como a ti mesmo”, pois eu digo, ama a Natureza pois ela ama-te.
A maior prova do seu amor, são as graças que nos concede, o alimento, os materiais para confeccionar o nosso vestuário ou construir as nossas casas e tantas, tantas outras coisas. O seu amor é verdadeiro e por isso não pede nada em troca, mas eu digo, oferece-lhe um pouco de quem és, contemplando-a, conhecendo-a, convivendo com ela, assim, poderás amá-la como ela te ama, aprender o que tem para te ensinar.
Para poderes plenamente vivenciar a Natureza necessitas que o teu corpo físico possa acompanhar o teu Eu espiritual, que sempre que a vontade de subir uma montanha surja em ti, possa o teu corpo físico satisfazer-te, levando-te até ao topo. Para tal, o corpo físico deve ser estimado e trabalhado, sou a guardiã do conceito “Corpo templo do Espírito”, assim defendo que diariamente devemos dedicar um pouco do nosso tempo ao templo do nosso espírito.
Como?
Pela prática de exercício físico e da meditação!
Usa o teu corpo com alegria, trabalha-o, aprende a respirar correctamente, uma respiração correcta evita inúmeras doenças, corre, faz flexões de braços e de pernas, salta, em suma mexe-te. Também nesta tarefa a Natureza nos dá a sua ajuda colocando no nosso caminho inúmeras formas de exercitar o corpo, que tal subir a uma árvore, ou a uma grande pedra, nadar uns metros num rio, percorrer distâncias a pé!
Apenas mais uma coisa, não te exercites em casa, o teu lar é local de repouso e meditação, onde te recolhes para assimilar o teu dia, quem sabe à lareira depois de um qualquer dia de Inverno pleno de treino e comunhão com a natureza, em que, explorando-a usando todo o teu ser, viveste plenamente.
Sendo templo do espírito e templo primário de Deus, a estima e amor pelo corpo deve ser maior que o demonstrado por qualquer templo de pedra por mais belo e vasto que seja. Não há templo mais bonito que o corpo, independentemente da sua forma ou cor.
Por vezes este magnífico templo é negligenciado acabando por adoecer. Para prevenir tais situações ou então remediá-las a Natureza providência uma série de ingredientes que aplicados de forma correcta ajudam a vencer as enfermidades.
Referirei agora a título de exemplo as plantas para chás por mim mais utilizadas, existem numerosos outros ingredientes, mas esses deixarei que seja o leitor a pesquisá-los, pois quem ama a Natureza interessa-se pelos seus caminhos.
Agulha-de-Pastor – fazer um chá com um molhinho de planta por litro de água para prevenir o cancro.
Alecrim – fazer um chá com um molhinho de planta e flores por litro de água para combater debilidades extremas, febres intermitentes, tosse, anemia, asma e bronquite.
Alface – fazer um chá com cinco ou seis folhas de alface para beber ao deitar como calmante, dando também um efeito hipnótico suave para os nervos. Este chá pode também ser usado para lavagem dos olhos no combate a inflamações.
Bolsa-de-Pastor – fazer um chá com um molhinho de planta para beber em jejum ou antes das refeições para combater diarreias, menstruações excessivas. Para estancar o sangue de feridas e golpes cozer a planta, fazer uma pasta com ela e aplicar.
Carqueja – fazer um chá com um molhinho de planta num litro de água para combater gripes, moléstias dos pulmões e dores de garganta.
Carvalho – torrar as bolotas, depois moer e fazer com elas um café que é bastante nutritivo e limpa o sistema digestivo.
Erva Cidreira – fazer um chá com um molhinho de planta para tratar do estômago, das dores de cabeça, flatulência, cólicas e constipações febris.
Giesta – fazer um chá com entre dez a vinte flores em botão para combater a tenção alta, eliminar as dores no corpo e aumentar o volume de urinas, este chá também diminui a frequência dos batimentos cardíacos. Nunca mas mesmo nunca aumentar as doses recomendadas.
Hipericão – fazer um chá com um molhinho de flores e folhas para tratar problemas respiratórios, falta de força, frigidez e impotência, traumatismos do sistema nervoso, para ajudar na digestão e a cicatrizar úlceras.
Hortelã – fazer um chá com um molhinho de planta florida para tratar dores de barriga, digestões demoradas e más disposições.
Malvas – fazer um chá com um molhinho de planta para tratar a prisão de ventre, as dores de barriga e combate de inflamações do aparelho digestivo. O chá é muito bom para a lavagem de feridas.
Mentastro – fazer um chá com um molhinho de
planta para abrir o apetite, combater o mau hálito, o nervosismo e dores nos nervos e tendões. No caso de urticária esfregar a planta directamente no local para alívio imediato.
Rosmaninho – fazer um chá com um molhinho de ramos floridos para tratar digestões demoradas, tosses e constipações.

(…)

Algo também deveras importante é a alimentação, esta deve ser variada e composta de alimentos saudáveis como os cereais, os legumes e a fruta, pessoalmente só me alimento destas coisas, mas o Robur e o Abiel consomem também alguma carne. Deve beber-se também pouco vinho e muita água.
A minha idade não a sei mas seguindo o atrás escrito consegui manter-me jovem, dinâmica, capaz! Assim espero continuar enquanto o meu corpo deixar.
A Irmandade do Carvalho foi algo belo, devo-lhe os melhores momentos da minha vida, o sonho de três amigos vivido plenamente, só faltou ser maior, uma Irmandade como esta deveria ser Universal. Por este motivo, peço a quem estiver a ler estas linhas, que por favor faça renascer a Irmandade, que estes textos sejam encontrados numa época em que sejam necessários, mas também numa altura em que comunicar com outras pessoas seja fácil, para que assim estes nossos valores, que não são apenas nossos mas universais possam ser vividos por todos aqueles que o quiserem e que, quem o faça, possa saber que há mais pessoas a proceder da mesma forma.
Se possuis o livro de Robur e o compêndio do corpo considera as duas primeiras tarefas completas, que tenhas vivido intensamente e sabiamente o teu caminho até aqui, que o teu corpo seja o teu templo, e que o teu amor pela Natureza se tenha já desenvolvido.
De qualquer maneira, terás ainda de ir às Fráguas, pois é lá que reside a chave da terceira tarefa, se por acaso a tua interpretação do verso da segunda tarefa erroneamente te levou lá, fica sabendo que terás de voltar novamente. Aproveita!

“Lá no cimo das Fráguas,
Onde o castro causa mágoas,
Num cemitério de pedras caídas,
Um largo de pedras antigas,
Só uma tem inscrição
No seu sopé faz um buraco no chão.”

Betha

Albus retirou o seu caderno de apontamentos da mochila e registou o verso que os levaria à terceira tarefa. Depois, cuidadosamente voltou a enrolar o pergaminho e guardou-o.
- Bem, ao menos, ficámos a saber como cuidar melhor de nós!
- Pois, mas muito do que a bruxa menciona já eu faço! Só o conceito de cuidar do corpo e olhar para ele como algo sagrado é que ainda me exigirá alguma habituação.
- Também a mim, mas penso que começo a entender melhor, o que a bruxa procura transmitir, um sentido de divino, a ideia de que o corpo e a natureza são de facto sagrados.
- Acho que vou passar a próxima semana a fazer chás, vou levar dias a procurar e a identificar todas as plantas mencionadas no compêndio!
- Eu vou investir num bom livro de identificação de plantas e suas propriedades.
- Eu não! Penso que consigo encontrar na Internet todas as plantas mencionadas pela bruxa, e até quem sabe mais algumas! Senão, pergunto às velhotas todas lá da aldeia. Olha lá e o que pensas deste enigma?
- Parece-me simples, é senso comum que existiu em tempos um castro pré-romano nas Fráguas, é também sabido que o seu povo adorava a Mãe natureza, penso também que o cemitério se refere ao estado do castro, que desde à muito se encontra arruinado, a inscrição só pode ser a da pedra que fica na clareira junto ao castro e que se pensa ter sido utilizada como local de adoração. Por isso acho que o mais difícil será cavar na terra dura em busca do que quer que seja que se encontra lá enterrado!
- Pois, sem pás nem nada, vai ser lindo vai!
- Tenho fome, que tal se almoçarmos já aqui?
- Parece-me bem, vamos ao almoço!
Kailen e Abus comeram sandes e beberam água. Depois, deixaram-se ficar um pouco, explorando novamente a casa e os seus arredores.
Quando a uma da tarde chegou, puseram-se a caminho das Fráguas.
- Albus, que tal se fizermos o percurso até ao sopé da serra num ritmo bem mais lento de que o normal? Assim, poderíamos apreciar verdadeiramente a paisagem.
- Temos tempo para isso. Experimenta enquanto caminhas e observas, respirar calma e pausadamente.
Uma hora se passou na qual, num ritmo bem mais lento, caminharam pelo intemporal caminho que os levaria às Fráguas. A velocidade lenta permitia-lhes reparar em coisas que de outra forma seria difícil, as técnicas de respiração levara-os a um estado de acalmia e bem estar interior, de tal modo que, até o vento a sacudir as folhas das árvores ou a erva do chão se lhes afiguravam como algo mágico e envolto numa aura sagrada.
Albus entendia agora exactamente o que Robur sentia e quisera transmitir, dava-lhe uma alegria enorme estar a percorrer este caminho, observar a vida à sua volta, sentindo-a chegar até si, cada olhar dava origem a um pensamento, cada lufada de vento no rosto a uma emoção. O vento quente soprou mais uma vez, mas de um modo brusco, Albus abriu os braços e sorriu olhando o céu, Kailen percebera o amigo, entendia como este se sentia pois também ele estava do mesmo modo, em paz vivendo o sagrado do agora.